Ninguém ignora que a criação, por parte do Marquês de Pombal, há 250 anos, que agora se comemoram, da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro constituiu uma das mais importantes reformas económicas empreendidas pelo ministro de D. José I, na primeira década do seu mandato.
Uma reforma que não teve em vista somente fins económicos. Além de tentar evitar, com a criação da Companhia, a ruína iminente dos agricultores durienses, Sebastião José de Carvalho e Melo, apoiando-se nos lucros obtidos através do comércio do vinho, contribuiu também para o desenvolvimento e a modernização do Porto.
Ora, o homem que deu a ideia para a criação da Companhia e que viria a ser o seu primeiro provedor era, precisamente, natural do Porto.
São três as personagens que, por via de regra, aparecem indicados como sendo os mentores, junto do Marquês, da instituição da Companhia o dr. Luís Beleza de Andrade, D. Bartolomeu Pancorbo de Ayala e o dominicano padre mestre dr. frei João de Mansilha.
O primeiro era natural do Porto, filho de um rico proprietário de vinhas em Valdigem, no concelho de Lamego; Gouvães do Douro, em Sabrosa, e Ventozelo, no concelho de Mogadouro, além de ser dono de armazéns de vinhos em Vila Nova de Gaia. Nasceu na Rua Chã e, em Setembro de 1756, aquando da criação da Companhia, era vereador da Câmara do Porto.
Pancorbo (e não Pancorvo, como, por vezes, aparece escrito) era espanhol, natural de S. Sebastião, na Biscaia. Com dez anos, veio para o Porto, onde se estabeleceu como exportador de vinhos para o Brasil. Viveu com a família, na aristocrática Rua Nova, hoje Rua do Infante D. Henrique.
Mansilha nasceu em S. Miguel de Lobrigos, no concelho de Santa Marta de Penaguião, de uma família de grandes produtores de vinho. Doutor em Teologia pela Universidade de Coimbra, professou na Ordem de S. Domingos, tendo leccionado Teologia no convento do Porto e Filosofia no de Lisboa. Foi grande e dedicado amigo do Marquês.
Atribui-se, frequentes vezes, ao espanhol Pancorbo o papel de mentor da criação da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, mas isso não é totalmente verdade.
Aconteceu que Pancorbo, entre 1753 e 1755, concebera um projecto para a criação, não de uma companhia, mas de duas sociedades de comércio, de carácter particular e internacional, destinadas à exportação do vinho do Alto Douro para os portos do Norte da Europa, incluindo a Rússia e o Oriente. Mas a iniciativa falhou por falta de verbas suficientes para o seu arranque.
O verdadeiro plano para a criação da Companhia foi esboçado, digamos assim, pelo dr. Luís Beleza de Andrade, com base em factos por ele próprio constatados quando, em 1753 e 1754, assistiu, em Valdigem, às vindimas nas propriedades de seu pai.
Escreveu ele, então, aludindo à crise em que, por essa altura, a região duriense andava mergulhada "? vira que tanta gente morria e com tanto excesso que muitas famílias se iam diminuindo? e indagando o motivo daquela mortandade alcancei que quase tudo procedia da pobreza?. e servindo-me de estímulo esta mortandade, e por outra considerando inútil todo o disvelo e despesa que tinha feito no aumento das vinhas de meu Pay, entrei a procurar todos os modos de dar saída aos vinhos?"
E conseguiu, logo a seguir, uma autorização para colocar à venda nas tabernas do Porto o vinho das suas terras; e convenceu o governador da cidade, ao tempo, António Bernardo Alves de Brito, a informar o ministro de D. José I da calamidade que grassava em terras do Douro. Mas não ficaram por aqui as diligências que pretendia organizar, com o objectivo de tentar ultrapassar a crise que afectava os lavradores do Douro. Convocou, para sua casa, uma reunião com os principais produtores da região e na qual também esteve presente o padre frei João de Mansilha.
Uma das medidas tomadas naquela assembleia foi a de se fazer a demarcação das terras onde se produzia o vinho.
Entretanto, o dr. Beleza de Andrade soube que Bartolomeu de Pancorbo ia a Lisboa, onde era esperada uma frota proveniente do Brasil. O espanhol esperava receber dinheiros que lhe tinham sido enviados dos negócios que mantinha com aquele país. Beleza pediu-lhe que aproveitasse a sua estada na capital para falar na Corte sobre o projecto da constituição da Companhia que havia sido esboçado na reunião realizada em sua casa.
Coube, efectivamente, a D. Bartolomeu de Pancorbo dar os primeiros passos, em Lisboa, para a criação da Companhia, mas é ao dr. Beleza de Andrade que tem de ser atribuído o mérito de ter gizado o plano que veio a servir de molde à criação da Companhia, na forma em que depois foi concebida.
Após ter apresentado o projecto em Lisboa, Pancorbo sugeriu ao dr. Beleza de Andrade que, dali por diante, fosse ele a dar, pessoalmente, seguimento ao caso. Mas, em vez de acatar a sugestão, Beleza incumbiu frei João de Mansilha de proceder a diligências na capital para o que se comprometeu a custear-lhe as despesas que fizesse nesse sentido.
E, no início do ano de 1756, o dominicano, na qualidade de delegado dos lavradores do Douro, lá foi recebido pelo Marquês, nas barracas da Quinta de Belém, onde a Corte se havia instalado depois do terramoto. E foram de tal modo profícuas as suas diligências que, no dia 1 de Junho de 1756, chegava ao Porto a notícia da formação da Companhia de que veio a ser primeiro provedor o dr. Luís Beleza de Andrade.
O regozijo na cidade foi de tal ordem que a Câmara tomou desde logo a iniciativa de mandar cantar um Te Deum na catedral e, para isso, oficiou ao Cabido, que se recusou organizar a cerimónia alegando que só o faria se "isso fosse da régia vontade do monarca". Perante tão descabida atitude, a Câmara deliberou mandar cantar o Te Deum à sua custa na igreja de Nossa Senhora da Graça dos Meninos Órfãos, gastando com isso 104.000 reis, assim distribuídos 50.000 para a música; 22.000 para o armador e a cera que se gastou; 24.000 de esmolas para os Meninos Órfãos; e 8.000 para a pólvora gasta nas cargas dos soldados que acompanharam a função.
