Dezanove anos depois de ter atuado no Estádio de Alvalade, em Lisboa, Bruce Springsteen regressou a Portugal para voltar a fazer história, num concerto absolutamente memorável.
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Depois de 19 anos de espera, os 20 minutos de atraso foram irrelevantes para as 81 mil pessoas que aguardavam a entrada em palco de Bruce Springsteen e da sua The E Street Band - uma família numerosa que começou a acompanhá-lo em 1972 (interregnos à parte).
O novo disco de Springsteen, "Wrecking ball", lançado no início deste ano, deu o mote para duas horas e meia de espectáculo, com "We take care of our own" e "Wrecking ball" (canção que empresta o título ao álbum) a serem as primeiras a soar no Parque da Bela Vista. Os grandes êxitos, esses, foram cuidadosamente guardados para um final apoteótico.
Aos 62 anos, Bruce Springsteen confirma que, de facto, é "Boss". Possui uma energia contagiante e afasta-se dos cânones do estrelato, não abandonando o público um único segundo. Em cima do palco ou no meio da multidão, entrega-se completamente, com uma generosidade e um sentido de entretenimento reservados a um punhado de músicos de uma colheita idêntica à sua.
"Olá Lisboa! Como estão? Esta música é sobre homens e Deus, sobre coisas que vão e coisas que ficam para sempre", explica num português correto que surpreende o público e desencadeia uma onda de aplausos. A música a que se refere é "My city of ruins", que termina numa longa apresentação de todos os músicos que o acompanham.
"Falta alguém aqui esta noite?", questiona várias vezes, dirigindo-se ao público, ao qual dá conta de que não veio acompanhado pela mulher.
"Spirit in the night", um clássico do seu disco de estreia - "Greetings from Asbury Park, N.J", de 1973 -, leva-o para o meio da multidão, onde é recebido como uma espécie de Deus - culto que o seu carisma parece conseguir justificar.
"Became the night" e "No surrender" geram coros entusiasmados, gritados por diferentes gerações (avós, pais e filhos, estão todos no Rock in Rio) contagiadas pela energia do "Boss".
Os fãs mais fervorosos já sabem com o que é que podem contar e não se coíbem de levar cartazes com os nomes de algumas das músicas que querem ouvir. E Springsteen não se faz rogado. Agarra nos cartazes e indica à banda a música que se segue: "She"s the one", que desfia de guitarra em punho e harmónica presa nos lábios.
"Waitin" on a Sunday day" terminou cantada a duas vozes, num "dueto" com uma criança que chamou para partilhar o palco consigo.
As reflexões sobre a crise económica, os tempos difíceis e as mudanças de vida vieram a reboque de "We are alive" - uma das canções do último disco - em que lança um sinal de esperança, tal como em "Wrecking ball" - "Hard times come/ hard times go".
Os êxitos que todos queriam ouvir foram deixados para o encore, em que Springsteen se mostrou absolutamente imparável, lançando canção atrás de canção sem dar espaço para a mais ínfima pausa. A fasquia é alta e os músicos que o acompanham possuem o mesmo ritmo frenético.
"Born in USA" foi a primeira a surgir, com um refrão gritado a plenos pulmões pelas 81 mil pessoas que cobriam o Parque da Bela Vista. "Born to run" seguiu-lhe o trilho.
"Glory days" e "Hungry Heart" (mais um disco pedido) antecederam uma "Dancing in the Dark" em que Springsteen "dançou" acompanhado por duas fãs. As raparigas desafiaram o músico com um cartaz onde se podia ler "Does the boss have the balls to dance with two Portuguese girls?" e ele respondeu-lhes à altura. Uma delas era Cristina Ferra, entrevistada no domingo à tarde pelo JN.
"Tenth Avenue Freeze-Out" marcou o tom de uma despedida gloriosa, com uma vaga de braços no ar em plena sincronia. O fogo-de-artifício estalou nos céus de Lisboa e o público, que queria levar tudo deste concerto, pediu mais.
E enquanto o fogo-de-artifício iluminava o Palco Mundo, Springsteen brindava a plateia com uma versão de "Twist and shout", recebida em êxtase na despedida do Rock in Rio 2012.
Aquele que, provavelmente, foi o melhor concerto dos cinco dias de festival encerrou as portas da "Cidade do Rock", que reabrem em 2014.