
Jorge Delgado gostaria que o Estado transformasse a dívida da STCP em capital
Artur Machado / Global Imagens
Em entrevista ao JN, o novo presidente da STCP e da Metro do Porto, Jorge Delgado, afasta a hipótese de despedimentos na STCP e está empenhado na municipalização da gestão da operadora rodoviária.
A STCP perdeu quase 40% dos clientes desde 2010 e foi a única empresa pública de transportes a perder passageiros em 2015. A que se deve tal sangria?
Os dados são dramáticos e a principal razão é a redução de motoristas, sobretudo por envelhecimento dos efetivos, que levou a níveis de cumprimento de serviço muito baixos, na casa dos 75%. Quando não há oferta, também não há procura. Essa queda fez com que se realizassem menos viagens e mais pessoas desabituaram-se de utilizar o transporte público.
Havia promessa de contratar 139 motoristas. Quantos já entraram?
Desde outubro já foram admitidas seis turmas, cerca de 90 motoristas. Temos um plano de admissão de mais cerca de 30 motoristas ao longo deste ano.
E chegam?
O fenómeno de saída continua e há motoristas a atingir a idade de reforma, mas conseguimos estancar a sangria. Em março, já tivemos níveis de cumprimento de serviço próximos do desejável, na casa dos 94%.
E os números mostram alguma recuperação de passageiros?
Essa é a parte negativa da história. Estamos a começar a estancar a perda. É relativamente fácil perder clientes, mas não é tão fácil angariá-los. É preciso transmitir às pessoas que o serviço está novamente operacional, com os níveis que elas desejam e que devem voltar a usar o transporte público.
Nessa ótica de recuperação, está prevista nova reformulação da rede?
A rede está estabilizada. Há acertos a fazer para corrigir anomalias e necessidades identificadas por nós e pelos municípios. Mas não está prevista uma revolução nem cortes na rede.
Haverá despedimentos na STCP para reduzir os custos fixos?
Não. O planeamento para este ano, e previsivelmente para o próximo ano, não contempla uma redução de pessoal, a não ser alguma saída voluntária ou por aposentação. Não há nenhum plano de redução dos quadros da empresa. Entendemos que a empresa está bem dimensionada.
Que tal está a saúde financeira?
Vai-se recompondo. A operação tende para o equilíbrio, porém dificilmente conseguiremos atingi-lo. As operações de serviço de transporte público dificilmente atingem o equilíbrio financeiro, a menos que se contabilizem as indemnizações compensatórias. Mas estamos no bom caminho. Do lado do serviço da dívida e do endividamento, temos um problema que deverá ser atacado nos próximos anos.
O Governo deve assumir o passivo?
O conceito mais simples é esse: a dívida ser convertida em capital e, de alguma forma, "zerarmos" o saneamento financeiro da empresa.
É o caminho que está a ser traçado?
É o caminho desejado por quem gere a empresa. Não sei se será seguido. Grande parte do endividamento da empresa está alojado no próprio Estado, no IGCP [Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública]. A dívida é do Estado e está no Estado. Admito que, a prazo, possa pensar-se no saneamento da STCP e permitir que os dados da operação não sejam ofuscados pelos custos do serviço da dívida que, num endividamento de 500 milhões, são sempre de muitos milhões.
Prevê-se um aumento das tarifas para equilibrar mais a operação?
O preço do tarifário é regulado pelo Estado através das autoridades de transportes. Contudo, eu entendo que há mais a fazer antes de se pensar numa correção superior à taxa de inflação. Não seria propriamente a melhor maneira para voltarmos a chamar as pessoas para o transporte público.
Municipalização da STCP: o que caberá ao Estado e aos municípios?
A empresa continuará na posse do Estado. Aos seis municípios, pede-se que se organizem, indiquem os administradores e passem a assumir a responsabilidade pelos resultados operacionais e economico-financeiros da STCP.
Como está o processo?
Há um grupo de trabalho que envolve Ministério do Ambiente, os municípios, a Área Metropolitana do Porto e a STCP e que tem reunido de forma muito regular. Está a trabalhar na definição do modelo, como é que se pode materializar a municipalização.
Passará pela constituição de uma associação de municípios?
A conceção do modelo jurídico subjacente à transferência é uma das coisas mais difíceis de construir, porque é um pouco inovadora. As primeiras ideias foram no sentido de constituir uma associação de municípios ou empresa intermunicipal. Ambas encerram alguma complexidade. Neste momento, identificamos um caminho alternativo: passa por uma unidade técnica de gestão no interior da Área Metropolitana do Porto que possa gerir a STCP. No fundo, a Área Metropolitana responsabilizará uma parte dos seus municípios pela gestão de um contrato que lhes diz respeito. A duração do contrato ainda não está definida.
Ainda é possível ter a STCP com gestão municipal em janeiro de 2017?
Sim, é nesse objetivo que estamos a trabalhar. Gostaríamos de ter o modelo definido até ao final deste primeiro semestre e depois materializá-lo.
A municipalização será possível sem o acordo de todas as câmaras? Valongo tem manifestado muitas reservas.
Não gostaria de fazer essa análise. Tudo é possível. Neste momento, o que sei é que os seis municípios estão muito interessados em ser os responsáveis pela operação da rede. Quero acreditar que todos estarão presentes.
Como referiu, a operação da STCP não é rentável, o que obrigará as câmaras a cobrir o prejuízo, quando o Governo deixar de contribuir. E se as câmaras não tiverem dinheiro?
O facto da operação ser deficitária resulta de obrigações de serviço público e aí nada há a fazer. Nenhum município está interessado em ter só as linhas rentáveis. Vão existir sempre não rentáveis. O critério de distribuição do défice não está estudado. Quero crer que os valores em causa não serão incomportáveis para os municípios. Será possível fazer uma aproximação a números compatíveis com os orçamentos das autarquias.
Há o risco de linhas da STCP passarem a ser operadas por privados?
Pontualmente tudo é possível. Não há dogma nem cristalização da rede, que deve ser melhorada e autonomizada. A base da STCP é a que temos hoje.
