A colocação de um sinal de proibição à circulação de camiões da cimenteira Cimpor durante duas semanas, em janeiro de 2003, na Rua de Serpa Pinto vai custar 3,63 milhões de euros à Câmara de Gaia.
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É uma derrota com sabor a vitória para a Autarquia. É certo que a condenação pesa nas contas municipais, mas é uma boa notícia já que corria o risco de pagar mais de 32 milhões nesse processo. Foi o Supremo Tribunal Administrativo que decidiu cortar 28 milhões (20,1 milhões relativos à compensação e quase oito milhões em juros) à sentença.
O presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, entende que "valeram a pena as diligências" que o atual Maioria socialista fez, "porque, apesar de tudo, passar de 32 milhões para 3,6 milhões é relevante". O autarca está satisfeito pelo Supremo ter reconhecido que o Município terá apenas de pagar os "danos evidentes e imediatos", causados à operação da Cimpor quando, em 2003, a Autarquia, então liderada por Luís Filipe Menezes, decidiu proibir a passagem de camiões com mais de 3,5 toneladas na Rua de Serpa Pinto, impedindo o acesso dos veículos da cimenteira aos silos nas Devesas.
A decisão do Supremo Tribunal Administrativo foi tomada em outubro de 2015 e confirmada pelo Pleno a 21 de janeiro passado, após a reclamação da Drylux, sociedade luxemburguesa que comprou os créditos judiciais à Cimpor em 2014. Desde então, tudo tem feito para cobrar os 32 milhões à Autarquia.
Antes do processo chegar ao Supremo, o Município de Gaia foi condenado por duas vezes nas instâncias inferiores. E, nessas instâncias, sempre se reconheceu o direito da Cimpor, adquirido entretanto pela Drylux, de receber 22,6 milhões de compensação, acrescida de juros, por causa do Município de Gaia ter proibido, durante quatro horas e meia por dia, o acesso aos silos da cimenteira na Rua de Serpa Pinto. A interdição vigorou entre janeiro e maio de 2003, embora o sinal tenha sido retirado duas semanas após a sua colocação.
Inconformado, o Município de Gaia pediu a uniformização de jurisprudência ao Supremo Tribunal Administrativo por entender que a decisão favorável à Cimpor foi dissonante em relação a outros acórdãos semelhantes. Então, argumentou que a Cimpor nunca tinha alegado um único facto que permitisse aferir com justeza o montante do pedido, "limitando-se a remeter para um singelo estudo económico anónimo, desacompanhado de qualquer explicação ou contextualização" e que "não se baseia em quaisquer factos alegados na petição inicial".
Ao contrário das instâncias anteriores, o Supremo reconheceu razão aos argumentos municipais para "surpresa" da Drylux, que clama por inconstitucionalidade. A sociedade luxemburguesa pode recorrer desta decisão para o Tribunal Constitucional e o mais certo é que o faça.
Os juízes do Supremo consideram que, na petição inicial feita na primeira instância, a Cimpor "alegou de forma excessivamente abreviada os factos que causaram os danos peticionados", nomeadamente relativos ao encerramento do entreposto de Gaia face à impossibilidade de levar os camiões aos silos e que obrigaram a transferir a operação de Gaia para o Centro de Produção de Souselas e de Alhandra. Esse dano valia 20,1 milhões de euros da indemnização atribuída à cimenteira. Porém, como a empresa não fez a "precisa e esclarecedora articulação dos factos indispensáveis a um justo julgamento", essa enorme fatia de indemnização caiu por terra.
Para a Drylux, que pedia a anulação da decisão, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo viola a Constituição por "implicar um inadmissível défice de justiça material" e descartar factos que já tinham sido dados como provados pelas instâncias inferiores. "O Tribunal entende que deve, pura e simplesmente, desatender factos alegados por uma das partes, determinantes para o ressarcimento de um dano assente e provado com trânsito em julgado", sublinhou perante os juízes, apontando para a "surpresa" da sentença que surge após "10 anos de longo, cuidado, exaustivo e minucioso debate sobre as questões de facto e de direito que opõem as posições do Município e da Cimpor".
Contudo, o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo não encontra razões para alterar a decisão de outubro, que conduziu à redução de 28 milhões na indemnização devida pela Autarquia à Drylux. "A aceitar-se que a ação pudesse ser julgada e o réu [a Câmara de Gaia] condenado apesar da petição inicial ser omissa no tocante a factos essenciais, estava-se a beneficiar, de forma inaceitável e sem cobertura legal, uma das partes" e a impedir que o Município pudesse "contrariar eficazmente as razões que fundamentavam o pedido" da Cimpor, pode ler-se ainda no acórdão do Supremo, datado de 21 de janeiro, em resposta à reclamação da Drylux.
Fica, assim, o Município de Gaia obrigado a pagar 2,53 milhões de euros, acrescidos de 1,09 milhões de juros, num total superior a 3,63 milhões. Uma verba que a Câmara não tem. A ação executiva em curso no Tribunal definirá quando é que esse valor terá de ser pago.
"Há uma réstia de esperança de conseguir incluir esta sentença no saneamento financeiro, tal como a da VL9. Como o Tribunal se recusou a apreciar o pedido de nulidade da sentença [feito pela Drylux na sua reclamação], a tese que os economistas têm é de que a decisão deve ser reportada a outubro" de 2015, afirma Eduardo Vítor Rodrigues. Se for possível incluir este contencioso no saneamento financeiro, a indemnização de 3,63 milhões poderá ser paga, logo que o programa de saneamento seja visado pelo Tribunal de Contas.