
Paul Watson junto ao navio Steve Irwin antes de mais uma missão para salvar baleias nos mares do sul
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O Japão colocou-o na lista vermelha da Interpol e em maio de 2012 foi detido na Alemanha. Conseguiu fugir e hoje vive exilado em França, de onde falou com o JN através do Skype.
Paul Watson lembra que a sua organização apenas procura que se cumpram as leis contra o extermínio dos oceanos e promete não desistir na sua luta. Diz que não pensa na vitória ou na derrota porque o que lhe interessa é fazer o que acha certo. E acredita que todos juntos possamos encontrar respostas impossíveis para os problemas impossíveis.
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Costuma dizer que protestar é um ato demasiado submissivo. A melhor estratégia é a intervenção e a ação direta?
Certo. Nós defendemos o cumprimento das leis. Existem leis e essas leis não são cumpridas. Nós podíamos salvar os oceanos, podíamos salvar as baleias, fazer muitas coisas, se tivéssemos simplesmente a motivação económica e política para cumprir as leis. É por isso que a Sea Shepherd não protesta, a Sea Shepherd faz com que os outros cumpram as leis. Mas essas leis estão a prejudicar interesses muito ocultos, os mesmos interesses ocultos que controlam os políticos. E é por isso que nos perseguem. Realmente, eu acho isto muito engraçado: eu fui colocado Lista Vermelha da Interpol pelo Japão, um país que foi indiciado pelo Tribunal Internacional de Justiça, e que se constatou em desrespeito do Tribunal Federal Australiano e que é contra os regulamentos da Comissão Baleeira Internacional. São uma organização criminosa mas têm o poder de me chamar eco-terrorista. Eu nunca causei ferimentos a uma única pessoa, seguramente nunca matei ninguém, então não vejo porque é que entro nessa lista. Aliás, sou a única pessoa na história da Interpol a estar na lista vermelha por tentativa de abordagem a um navio.
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Foi detido na Alemanha mas fugiu e agora vive em França. Sente que se hoje sair daí corre o risco de ser novamente detido?
Não sei se poderei ou não ser detido. E nem sei se algum país pode decidir se ainda aplica, ou não, a lista vermelha. Mas também não tenho garantias. Tenho garantias da França e dos Estados Unidos. Mas, enfim, se eu decidir ir para Portugal, Espanha ou Itália, eu não sei o que acontecerá. Portanto, não vale a pena o risco. O Japão é um país muito poderoso e muito persuasivo quando lida com outros governos. É por isso que eles conseguem continuar a sua flagrante atividade ilegal sem qualquer oposição. Isso é sintomático do poder que eles têm.
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Como é que as autoridades francesas lidam com a sua presença aí?
Agora vivo em França e não tenho tido qualquer problema porque a França, tal como os Estados Unidos, percebe que as acusações do Japão são falsas e nada válidas. Já os alemães decidiram que... enfim, sabe, isto é interessante: quando eu fui detido na Alemanha, a polícia foi solidária, o promotor foi solidário, o juiz foi solidário. Ainda lá fiquei durante dois meses mas a dada altura recebi uma telefonema de um apoiante nosso que trabalha no Ministério da Justiça a dizer-me que na segunda-feira seguinte me iriam prender para me enviarem para o Japão. Foi por isso que eu fugi. Eu tinha o apoio da polícia, do tribunal, do procurador e do juiz. Mas não tinha da ministra da Justiça. Ela até ignorou uma petição de 400 mil assinaturas [em meu apoio] e simplesmente tomou essa decisão.
O Japão alega que caça baleias para pesquisas científicas. O que o leva a acreditar que não estão a falar a verdade?
Eles podem dizer aquilo que quiserem mas o Tribunal Internacional de Justiça já analisou o caso e concluiu que não há qualquer credibilidade nessa justificação dos japoneses e que a suposta investigação científica não passa de uma máscara para as suas operações comerciais. A Comissão Baleeira Internacional tem a mesma opinião e também considera que as operações japonesas de caça à baleia são ilegais. Não me parece que possam existir mais dúvidas perante a clareza destas condenações do Tribunal Internacional de Justiça e da Comissão Baleeira Internacional. Ambos dizem que as operações do Japão são ilegais.
Essa caça à baleia existe porque há um mercado de carne de baleia, é isso?
Nem é por causa da carne porque menos de 1% da população japonesa come carne de baleia. Na realidade, trata-se mais de um sistema que existe no Japão: quando te retiras da política recebes logo a seguir um bom emprego altamente remunerado na burocracia do governo. E neste caso em particular é o Institute for Cetacean Research. Toda a operação de caça às baleias existe para que estas pessoas possam manter os seus empregos bem remunerados. E também ajuda que os primeiros ministros da indústria de caça à baleia sejam os amigos destas pessoas. É puramente uma decisão política.
Um dos objetivos da Sea Shepherd é provocar o máximo de prejuízo possível na indústria baleeira japonesa.
Bem, o que temos feito ao longo dos últimos dez anos no oceano Antártico é impedi-los de atingir as suas quotas de matança. Nós já reduzimos as suas quotas para 30% e, num ano, abaixo de 10%, o que lhes custou 200 milhões de dólares em perdas. Então, concluímos que este é o método mais eficiente para lidar com isto: bloquear a sua capacidade de gerar lucros e fazer dinheiro. O que temos andado a fazer é bloquear a rampa de lançamento da popa dos navios baleeiros impedindo-os de carregar as baleias mortas - se eles não conseguirem carregar as baleias mortas, eles não podem matar outras. Isso tem sido muito eficaz. Mas esta última temporada não foi propriamente uma vitória. Este ano, eles foram contra o veredicto do Tribunal Internacional de Justiça e acabaram por matar 333 baleias. Antes disso matavam até 1035 baleias (por ano), então pelo menos conseguimos que esse número diminuísse. Mas este ano não conseguimos interferir porque eles expandiram a sua zona de matança para uma área três vezes maior e ao mesmo tempo reduziram as suas quotas de matança para 333 baleias. Ou seja, eles deram-nos menos tempo de ação e numa área muito maior e nós não tivemos navios capazes de lidar com isso. Contudo, em Setembro vamos lançar o nosso novo navio - o "Ocean Warrior" - que é um navio de patrulha de longo alcance e mais rápido que os navios arpoadores japoneses. E assim estaremos em condições de intervir na próxima temporada.
Como é que os baleeiros japoneses reagem no mar alto quando se deparam com os vossos navios?
A reação deles é fugir. Primeiro eles tentam impedir que nos aproximemos do navio-fábrica (que armazena todas as baleias caçadas pelos outros) e mandam navios arpoadores, que são retirados das próprias operações de caça à baleia, para nos atrasarem e impedir que encontremos o navio-fábrica. Mas eles tendem a fugir, tendem a tomar medidas defensivas. Só que as nossas equipas são bastante inflexíveis e nós não recuamos. Em 2013, por exemplo, conseguimos impedir as operações de reabastecimento de combustível dos baleeiros. Tudo o que fazemos é ser uma organização contra a caça furtiva e que vai atrás de atividades ilegais. Agora, neste preciso momento, o nosso navio Steve Irwin está a perseguir um caçador furtivo chinês em águas chinesas, já mesmo em direção ao porto, e nós até temos provas das suas atividades ilegais. Estamos a cooperar com o governo chinês, dissemos-lhe "olhem, sabem, o uso destas redes de deriva é ilegal desde 1992, nós apanhámos este tipo a usar essas redes e vocês têm a responsabilidade de cumprir o vosso compromisso perante as Nações Unidas". A China está a levar isso muito a sério.
Quantas baleias a Sea Shepherd salvou nas suas operações?
Só nos últimos 10 anos salvamos seguramente mais de seis mil baleias.
Outro caso particularmente preocupante é o que se passa com os tubarões, certo?
A pesca do tubarão está realmente fora de controlo. Todos os anos se matam entre 50 a 90 milhões de tubarões principalmente para a comércio da barbatana de tubarão. Os tubarões estão em sérios apuros e a nossa posição é a de que o tubarão é uma espécie-chave. Destruir o tubarão vai causar danos irreparáveis nos ecossistemas oceânicos. E é absolutamente imperativo que nós abrandemos isto. O tubarão moldou a evolução dos oceanos durante 400 milhões de anos. Todos os peixes nos oceanos têm a sua velocidade, as suas cores, a sua camuflagem, e tudo isso foi influenciado pela presença de tubarões. É provavelmente uma das espécies mais importantes no oceano, e destrui-la da maneira como fazemos é ecologicamente irresponsável.
Parece haver uma certa dificuldade em sensibilizar as pessoas para a defesa dos tubarões. Para todos os efeitos, continuam a ser olhados como bichos maus e perigosos como se fossem inimigos do homem.
Muitas pessoas têm medo de tubarões. Mas se olharmos para as estatísticas vemos que a média de pessoas mortas por tubarões é cerca de 7 por ano. Ora, tendo em conta que centenas de milhões de pessoas entram nos oceanos todos os dias, esse é um número muito pequeno. As avestruzes matam uma centena de pessoas por ano e ninguém tem medo de avestruzes. Como eu já disse algumas vezes, jogar golfe é mais perigoso do que surfar, porque há mais pessoas a morrer todos os anos atingidas por um relâmpago ou picadas por abelhas nos campos de golfe do que surfistas mortos por tubarões. Ou seja, é preciso mais coragem para jogar golfe do que para entrar no mar onde estão os tubarões. Claro que foi graças a filmes como "Tubarão" ou programas de televisão como "Shark Week" e outros do género que se criou este monstro. Mas se tivermos em conta que os tubarões matam sete pessoas em média por ano enquanto nós matamos perto de 90 milhões de tubarões por ano, temos de começar a pensar sobre quem será o verdadeiro monstro.
Segundo alguns indicadores, Portugal é dos países com maior consumo per capita de peixe no mundo. Até existem alguns dados que dizem que somos o terceiro povo que mais come peixe, a seguir ao Japão e à Islândia. Dito isto, que mensagem quer deixar aos portugueses?
Por acaso pensava que os espanhóis comiam mais, mas até pode ser isso. Bom, deixo a mesma mensagem que digo a toda a gente: nós estamos a pescar em demasia. Se os peixes desaparecem, os oceanos morrem. E se os oceanos morrem nós também morremos porque não conseguiremos viver sem um oceano saudável. Desde 1950 que vemos uma diminuição de 40% da população de fitoplâncton nos oceanos. O fitoplâncton fornece entre 50% e 70% do oxigénio que respiramos. Uma das razões para essa diminuição de fitoplâncton tem a ver com o facto de matarmos as baleias e outros animais que fornecem os nutrientes para o fitoplâncton. As baleias são como se fossem os agricultores dos oceanos, elas fornecem nitrogénio e ferro para o fitoplancton através do seu material fecal. Durante milhões de anos, os ecossistemas nos oceanos funcionaram perfeitamente até começarmos a interferir há cerca de dois séculos. Nós começámos por diminuir a diversidade e 40% do peixe que agora é retirado dos oceanos nem sequer é comido pelas pessoas, é enviado para galinhas, porcos, ovelhas, e outros animais. E cerca de 45% do peixe é pescado ilegalmente e grande parte nem sequer é declarado. Na última cimeira do clima, em Paris, eu apresentei um documento intitulado "Soluções para as mudanças climáticas" com um conteúdo que ninguém quer ouvir. Uma dessas soluções é a seguinte: temos de parar com as operações de pesca industrial, temos de parar com os subsídios governamentais para a pesca industrial. E temos de fazer cumprir as leis contra a pesca ilegal porque se não o fizermos, e segundo dois dos maiores especialistas na área - Boris Worm e Daniel Pauly - em 2048 não haverá mais pesca industrial porque já não haverá peixe para mais ninguém. Ou seja, se nos preocupamos com o futuro, precisamos desesperadamente de uma moratória na pesca industrial. E provavelmente teremos de nos adaptar a uma dieta cada vez mais baseada em vegetais.
Sente-se otimista?
Eu sou sempre optimista. A razão de sê-lo remonta a 1973 quando trabalhei com o American Indian Movement durante a ocupação de Wounded Knee no Dakota do Sul. Entramos em conflito com o governo dos EUA e eles disparavam vários tiros durante a noite para a aldeia onde estávamos. Eu fui ter com o Russell Means, o líder do American Indian Movement, e disse-lhe: "Russel, nós não temos qualquer hipótese de ganhar contra o governo dos EUA, por que é que continuamos com isto?". A resposta dele acabou por guiar-me toda a vida. Ele respondeu assim: "Nós não fazemos isto porque vamos ganhar ou porque vamos perder. Nós não nos focamos na vitória ou na derrota. Nós focamo-nos simplesmente no fazer. E nós fazemos isto porque é a coisa certa a fazer. É a única coisa a fazer - e é a coisa mais justa". Portanto, o que nós fazemos é basicamente tentar encontrar respostas impossíveis para problemas impossíveis. E eu acredito que possamos encontrar essas respostas impossíveis para os problemas impossíveis.
Tradução de Ana Manuel Bento
