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Começou à meia-noite uma greve de cinco dias dos enfermeiros contra a recusa do Ministério da Saúde em aceitar a proposta de atualização gradual dos salários e de integração da categoria de especialista na carreira.
Em termos salariais, os enfermeiros reivindicam um aumento de 823 euros, segundo a proposta de acordo coletivo de trabalho tornada pública. Um enfermeiro em início de carreira passaria de um salário bruto de 1201,48 euros para 2025,35 euros.
Entre os enfermeiros especialistas, são reclamados 2488 euros de ordenado para o primeiro escalão da carreira. Hoje, os enfermeiros especialistas ganham o mesmo que os generalistas e, como a progressão está congelada, grande parte aufere 1201 euros brutos por mês.
Além de aumentos salariais, o sindicato propõe uma nova tabela remuneratória com menos escalões e com cinco categorias. Extingue-se a categoria de enfermeiro principal e mantém-se a de enfermeiro, acrescentando as de enfermeiro especialista e enfermeiro diretor de nível 1, 2 e 3.
Os enfermeiros querem, também, uma progressão mais rápida. Hoje, a carreira de enfermeiro tem 11 escalões. É exigida uma tabela salarial só com cinco escalões em cada categoria e uma progressão mais rápida, com subida automática de escalão após três anos, desde que o desempenho seja positivo. O recrutamento e as promoções devem ser feitas por concurso.
A uniformização do horário semanal de 35 horas para todos os enfermeiros é também reclamada. Em cima da mesa, do lado dos enfermeiros, está também a limitação à precariedade. Os enfermeiros Só admitem o recurso a contratos a termo para a substituição temporária de trabalhador, iniciativas sazonais, necessidade de reforço temporário, projetos de investigação externos ou contratações ao abrigo de políticas especiais de emprego.
"Há um grande desconhecimento do que se passa"
Manuel Galhardas tem 37 anos, é enfermeiro há 15 e desde 2011 que é especialista em médico-cirúrgica. Há três meses mudou-se das urgências para as unidades de cuidados intermédios do Hospital Garcia de Orta, em Almada. Tem um contrato de 35 horas semanais. A mulher também é enfermeira, especialista em saúde materna, e quando os horários saem passa dois dias a tentar conjugar horas para que consigam estar juntos, com os filhos pequenos, de 11 e quatro anos, pelo menos um dos dias do fim de semana. O casal pensa nos filhos. Estica de um lado, estica do outro, numa ginástica de horários incontornável para quem trabalha em serviços que não fecham um segundo. Por vezes, as férias são desencontradas para ficarem com os miúdos em casa.
Enfermeiro especialista, tem uma licenciatura, um mestrado, uma especialidade em enfermagem, um curso do INEM, um curso de suporte básico de vida. Esta semana, fará greve e pondera entregar o título à Ordem. Defende uma carreira para todos: especialistas e generalistas.
"Há um grande desconhecimento do que se passa. Trabalho há 15 anos e nunca fui aumentado". No Governo anterior, houve uma subida de 200 euros para todos. Os seus 1200 euros de ordenado emagrecem para uma quantia a rondar os mil euros.
"Desde que tirei a especialidade, já formei 10 enfermeiros especialistas. Não é um trabalho pago, mas é um trabalho feito de boa vontade", conta. Tirou a especialidade por querer aprender mais, pelo conhecimento. Mas as formações saíram-lhe do corpo - menos tempo em casa, menos tempo em família - e o salário não subiu. "Um enfermeiro especialista faz uma diferença enorme nos hospitais", garante.
Manuel é enfermeiro de referência no hospital. Gosta do que faz, continua a trabalhar com gosto. Mas tem colegas que lhe falam em desistir, mais de 20 que trabalhavam no seu hospital foram para o estrangeiro, nos últimos três anos. E fica agastado com os comentários e notícias que vai vendo sobre a luta dos enfermeiros. "Se as pessoas soubessem um pouco do que se passa... Não somos uma profissão de trazer por casa". Manuel acredita que a situação se resolva, que se sentem à mesa para falar de uma carreira para todos, que se negocie. "Mas tenho medo que as pessoas desistam e que não se unam", comenta. "A minha esperança é Marcelo Rebelo de Sousa, que é uma pessoa com sensibilidade".
"Para quê fazer a especialidade se não vou ter retorno?"
João Oliveira é enfermeiro há três anos. Tem 24 anos, é de Aveiro, já trabalhou numa unidade de cuidados continuados da sua cidade, já trabalhou no Hospital do Barreiro Montijo, no Hospital Garcia de Orta, em Almada, e há um ano que está nos cuidados intensivos do Hospital de São João, no Porto.
Terminou o curso em julho de 2014 e um mês depois estava empregado. Tem um contrato individual de trabalho de 40 horas semanais, que podem esticar. Ganha 1200 euros brutos por mês que, espremidos, não chegam aos mil euros. Faz turnos, costuma trabalhar nas datas festivas, Natal, Páscoa, Carnaval. Esta semana, fará greve.
A vontade de tirar uma especialização na área médico-cirúrgica ficará, por enquanto, em banho-maria. João é enfermeiro generalista. "Porque é que vou tirar uma especialidade e gastar dinheiro numa formação diferenciada, se não vou ter um retorno financeiro?", questiona-se.
O salário não progride porque há muito tempo que não há carreira na profissão. O ordenado, diz, "tem de dar" para os gastos de quem tem casa alugada. E o trabalho fora de horas já não é pago como noutros tempos. Esses suplementos, sublinha, "levaram um corte brutal". "Esse trabalho quase não compensa, ao final do mês, muitos enfermeiros não auferem mais 100 euros. Há enfermeiros que fazem 10, 12 noites por mês, o que provoca um cansaço muito mais agressivo".
João é enfermeiro de cuidados gerais e defende a diferenciação entre generalistas e especialistas com tudo o que isso significa. "É injusto que alguém que trabalha há poucos anos, como eu, ganhe o mesmo que um enfermeiro especialista que trabalha há 15 ou 16 anos".
Nas conversas que vai tendo com colegas que ainda andam na faculdade, sente pouca motivação para investirem numa especialidade. Nessas conversas, também se fala no desânimo, na desmotivação, no cansaço dos enfermeiros. Porém, João acredita que tudo se vai resolver. Até porque, na sua perspetiva, quando se fala em saúde fala-se no bem-estar da população e na segurança do país. "Tenho esperança de que haja uma resposta da parte do Governo. É uma batalha dura, mas tenho esperança de que haja consenso entre os sindicatos e o Governo". E esta luta, lembra, não é de agora. Há mais de 10 anos que os enfermeiros especialistas reclamam serem reconhecidos como tal e ganharem em conformidade.
