
O aumento dos descartáveis, em particular devido ao recurso ao takeaway, é fator de preocupação
Igor Martins / Global Imagens
As associações ambientalistas estão preocupadas com o aumento de embalagens descartáveis e a redução da reciclagem e temem que Portugal não consiga atingir as metas europeias.
Carmen Lima, da Quercus, diz que há "dois grandes problemas" provocados pelo novo coronavírus, que vão ter impactos preocupantes no ambiente: o aumento da utilização dos descartáveis e uma diminuição dos resíduos encaminhados para reciclagem.
Há mais legumes e frutas embaladas nos supermercados, luvas de plástico de utilização única para pegar em produtos a granel, cafés servidos em copos de plástico para beber no exterior das pastelarias e cada vez mais restaurantes a apostarem em refeições embaladas para takeaway e entrega ao domicílio. A isto soma-se a suspensão de serviços de recolha seletiva porta a porta, nomeadamente em Lisboa. E ecopontos cheios devido à redução das recolhas, que levam algumas pessoas a optarem por colocar tudo nos resíduos indiferenciados. O cenário preocupa Carmen Lima, que acredita que "este será um ano em que a reciclagem irá retroceder de forma muito substancial".
Setor pode vir a criar emprego
A Quercus considera que o Ministério do Ambiente deve "pedir um alargamento da meta de reciclagem, por mais um ano". Seguindo diretrizes da União Europeia, Portugal tem uma meta de "reciclagem de 50% dos resíduos urbanos até 2022", um objetivo que fica mais difícil de atingir tendo em conta o "retrocesso" criado pela pandemia, diz Carmen Lima: 2020 "é um ano perdido", diz.
"Ainda não há números disponíveis sobre o consumo de descartáveis, mas temos a perceção de que estão a aumentar", corrobora Rui Berkemeier, da Zero, que aguarda para ver como a sociedade reajusta as práticas ambientais após a pandemia. Berkemeier realça que a reciclagem será importante na retoma económica, pois "é um setor onde se podem criar milhares de postos de trabalho". A Zero está a preparar um dossier detalhado que deverá dar a conhecer nos próximos dias.
Em resposta ao JN, o Ministério do Ambiente diz que "não está a ser ponderado adiar ou solicitar o adiamento, no caso das metas comunitárias, das metas de reciclagem. Aguardamos pelos números e respetiva avaliação e ver o que é necessário fazer".
Em "meados de maio", refere, a Agência Portuguesa do Ambiente "já disporá de dados que vão permitir fazer uma avaliação mais balizada desta situação e caracterizar as mudanças que ocorreram na gestão dos resíduos urbanos".
O Ministério do Ambiente considera que "ainda é cedo para se antecipar qual o impacto da pandemia na alteração de hábitos de reciclagem, sendo que a expectativa é a de que se assista a uma redução das quantidades enviadas para reciclagem". No entanto, há alguns sinais positivos. "No caso da LIPOR, por exemplo, a empresa que gere os resíduos urbanos do Grande Porto, observou-se uma situação contrária, de aumento significativo da recolha seletiva".
Quanto à separação de resíduos, o Ministério frisa que "o pedido de não efetuar a separação dos recicláveis dos resíduos e depositá-los conjuntamente com o lixo comum circunscreveu-se apenas aos domicílios com casos de infeção ou suspeitos", não devendo a restante população pôr de lado as boas práticas ambientais.
Carta aberta
Indústria faz apelo, mas União Europeia recusa adiar restrições
Apesar das pressões da indústria, a União Europeia insiste que os estados-membros terão de transpor para o direito nacional a diretiva que prevê a eliminação do plástico descartável até julho de 2021. E, por isso, rejeitou o pedido da Associação Europeia de Transformadores de Plásticos (EuPC) para adiar o prazo por, "pelo menos, um ano", tendo em conta "os benefícios" que esse tipo de plástico trouxe no combate ao novo coronavírus.
Numa carta aberta à Comissão Europeia, a EuPC explica que a Covid-19 veio demonstrar que "os plásticos de uso único não são facilmente substituíveis, principalmente para querer manter as mesmas propriedades higiénicas para proteger os consumidores".
"A liberdade de circulação desses produtos é necessária para manter a higiene, a saúde e a segurança no fornecimento de muitos produtos, como materiais para contacto com alimentos, equipamentos de proteção, aparelhos médicos e medicamentos. Não podem ser esquecidas essas medidas de precaução básicas que os produtos de plástico estão a permitir", pode ler-se.
A EuPC defende que o adiamento permitiria que os estados dispusessem de mais tempo para se concentrar em "medidas mais urgentes" na luta contra a pandemia, distribuindo produtos plásticos de uso único em situações de emergência. A porta-voz da Comissão para questões ambientais, Vivian Loonela, foi taxativa: "os prazos do direito da UE devem ser respeitados."
João Queiroz
Tome nota
Em quarentena
Os resíduos da reciclagem são recolhidos e encaminhados para as estações de triagem, onde ficam armazenados durante 72 horas. Esta espécie de quarentena visa evitar risco de contágio dos trabalhadores.
Máscaras e luvas
Equipamentos de proteção individual devem ir para o lixo comum: não podem nem devem ir para o ecoponto, pois, para além de não serem recicláveis, podem colocar em risco os trabalhadores que ajudam a ter as cidades mais limpas.
