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Por desoladora ironia, só nos faltava que o feriado consagrado ao trabalhador calhasse a um domingo! Além de que, à nossa volta, não há razões para celebrar. Na Europa, o número de desempregados aproxima-se dos 30 milhões. Por cá, um terço dos que contam nessa estatística são desempregados há mais de um ano. E dói mais ainda se pensarmos que um em cada três dos nossos jovens à procura de emprego bate com o nariz na porta.
Pese embora a Igreja (Pio XII, em 1955) tenha instituído o dia de hoje para celebrar São José Operário, em homenagem aos trabalhadores, há bem mais de um século que a organização do 1.º de Maio é monopólio dos sindicatos. Mas também estes ameaçam declínio, por toda a Europa do Sul. Em Portugal, a CGTP e a UGT terão perdido perto de 150 mil filiados nos últimos quatro anos. A conta é das próprias confederações, que veem diminuída a sua capacidade de mobilização e dizimada a cobrança de quotas que financia a sua atividade.
Por mais que os dirigentes sindicais resistam a admiti-lo, a verdade é que os anos de austeridade justificam apenas uma parte da sangria de filiações, que aliás já era evidente antes da crise. Conservadores, os mecanismos de ação sindical demonstraram eficácia para defender os trabalhadores instalados, mas pouca capacidade para se adaptarem (ou modificarem) às realidades do mercado laboral (precariedade, deslocalização de empresas, outsourcing, subcontratação, teletrabalho...) e às novas exigências de uma economia global.
Um exemplo é o do recurso sistemático à greve como arma de combate sindical. No tempo dos sindicatos industriais fortes, as suas lutas atingiam diretamente o patronato. Hoje, a maioria das greves ocorre no setor dos serviços, como instrumento de pressão cujos destinatários são as administrações, mas os principais afetados são os utentes, a população. O jogo mudou, a regra sindical nem tanto.
Para que o contrato social seja a base de uma sociedade mais justa e desenvolvida, os sindicatos carecem de novas táticas de participação e negociação que evitem a rigidez dos convénios setoriais, para além da total transparência das suas contas.
O direito ao trabalho é bandeira do movimento sindical em mais um 1.º de Maio. Mas não deixa de ser irónico que, há mais de um século, já Paul Lafargue, ativista da Associação Internacional dos Trabalhadores, tenha escrito "O direito à preguiça", um manifesto que deu a conhecer aos nossos Antero de Quental e José Fontana. Era genro de Karl Marx, não vem ao caso, mas dá-me jeito para título.