Millôr Fernandes, o mais genial humorista do último século, em língua portuguesa, dizia que a verdadeira amizade é aquela que nos permite falar, ao amigo, de todos os seus defeitos e de todas as nossas qualidades.
Tão sério quanto o brasileiro, o mais famoso dos filósofos orientais, Confúcio, antecipava há mais de dois mil anos que para conhecermos os amigos é necessário passarmos pelo sucesso e pela desgraça. No sucesso observamos a quantidade, na desgraça avaliamos a qualidade.
Houve um tempo em que contávamos os amigos pelos dedos da mão. Hoje, porém, com a generalização das redes sociais, é vulgar ouvirmos alguns dizerem que têm dois ou três mil amigos. Conheço muitos desses. E há um cuja identidade, por pudor, não preciso sequer revelar. Na bolsa de valores que rege uma boa parte das nossas relações, a palavra desvalorizou tanto como os títulos de alguns bancos, do outro lado da rua.
Amigo remete-nos para aqueles com quem mantemos uma relação de "afeto pessoal, puro e desinteressado, que nasce e se fortalece com o trato". No máximo, e de acordo com estudos reconhecidos do antropólogo britânico Robin Dunbar, "o ser humano pode alimentar uma relação estreita com não mais de 150 congéneres" - pessoas cujo caráter conhecemos, com quem conversamos amiúde e a quem podemos telefonar em caso de urgência. A entrada de novos indivíduos no grupo envolve, geralmente, a perda de contacto com outros, em particular aqueles cuja relação ou presença vai esmorecendo.
As redes sociais, diz o mesmo estudo, não parecem ter mudado o perímetro do nosso abraço, as medidas do coração. A verdadeira relação de um utilizador com outros, na mesma rede, mantém-nos em idênticos parâmetros: 150 pessoas com as quais interagimos, e das quais apenas cerca de 3% são, ou podem ser, amigos de verdade. Os outros, esses, continuam "amigos", o título cujo valor facial temos desvalorizado.
Há dias, passou-me pelos olhos notícia de um homem encontrado morto, em Vigo. Sofria de uma estranha doença, a síndrome de Diógenes (que consiste em arrecadar para casa toda a espécie de objetos e lixo), e dava-se apenas com alguns, poucos vizinhos. O cadáver fora descoberto dias depois da sua morte, mas ninguém o reclamou para lhe dar sepultura. Era utilizador das redes e, só no Facebook, somava 3544 "amigos", nenhum dos quais, porém, sabia realmente como era a sua vida. Amigas e amigos, todos os dias são bons para redimirmos tão insigne vocábulo. Hoje, por exemplo. Quantos amigos temos?
* DIRETOR
