As nossas autoridades decidiram constituir o prof. Manuel Pinho arguido num processo penal relacionado com a EDP. Ao que é referido pelo seu advogado, fizeram-no sem o interrogar, sem dizer em concreto por que razão o fizeram, quais as imputações que produziram ou os indícios em que as fundamentam. Em síntese, lançaram a suspeita gravíssima de corrupção sobre um cidadão sem lhe dizer porquê, quando e por quem. E sem lhe dar oportunidade de se defender.
O Ministério Público seguiu o guião que a sua Direção criou para estas operações. Primeiro, torna públicas as buscas que efetuou e os arguidos que constituiu. Depois, expõe a narrativa que durante anos a Direita política invocou. Finalmente, divulga os relatos em que se fundamenta - denúncias anónimas alimentadas por depoimentos de adversários políticos do visado. Lançadas as suspeitas públicas, já nada mais interessa. Indícios, factos ou provas, nada vem ao caso. O trabalho está feito: a suspeita alimenta a festança mediática.
Neste caso, há um pormenor a mais. Segundo os relatos da Imprensa, o próprio Ministério Público invoca como propósito para a constituição de arguido a interrupção do prazo de prescrição. Acontece que esta razão não consta no Código de Processo Penal como razão pela qual um cidadão possa ser constituído arguido - isto é, formalmente suspeito. Fazê-lo com esse objetivo é como se a constituição de arguido pudesse servir não para investigar suspeitas atuais, mas para investigar eventuais suspeitas futuras: arguido por prevenção.
Este comportamento ilícito nada tem de pontual - é uma cultura. A ideia parece ser a de que se violarmos continuadamente e durante muito tempo a lei penal, os cidadãos habituam-se. É como se o direito penal progredisse por violações. Por medo, por indiferença, por conveniência, o país acaba por aceitar. A malícia jurídica destes comportamentos é conhecida por quem sabe que há outro tipo de assassinato para além do punhal e do golpe de mão. A acusação tem que ser provada e pode ser derrubada; a suspeita perdura - justamente porque é vaga, indeterminada e, não raro, sequer conhecida. Afinal, quem se pode defender de uma suspeita que não conhece? Eis, portanto, o Ministério Público no local que mais lhe agrada - lançar a suspeita e nada mais fazer, a não ser prorrogar prazos indefinidamente.
Pela minha parte, o que tenho a dizer é que isto me diz respeito. Diz-me respeito porque Manuel Pinho é um homem honesto, que foi meu ministro e fez parte de um Governo que mudou para sempre o paradigma da dependência externa energética do país, com a aposta que fizemos nas energias renováveis. Diz-me respeito porque está a ser vítima de uma suspeita ilegítima e não fundamentada. Mas diz-me principalmente respeito como cidadão. Esta atuação do Ministério Publico é exatamente aquilo que aparenta: um abuso de autoridade.
