João Semedo (JS), dirigente do Bloco de Esquerda (BE), escreveu um artigo político sobre a Ordem dos Médicos (OM). JS revela uma perturbadora dificuldade em, antes de escrever, ouvir e avaliar tecnicamente as decisões da OM e os critérios de idoneidade definidos pelos Colégios, em ler os estudos que a OM já entregou no Parlamento (é feio mentir, JS), em estudar as estatísticas da OCDE e as curvas de evolução da demografia médica, em dissecar o fenómeno da emigração médica, em investigar porque é que o SNS não contrata mais médicos e não dispõe de mais horas de trabalho médico. É que se o fizesse, teria de escrever a verdade e já não poderia limitar-se a meros chavões políticos e a atacar levianamente uma instituição que faz um trabalho empenhado, honesto e escrutinável, envolvendo a dedicação pro bono de centenas de médicos, na defesa dos doentes e da qualidade da medicina portuguesa. Muitos políticos revelam enormes dificuldades quando a verdade contraria a sua cassete política...
Caro JS, algumas notas. Portugal tem que formar médicos para dez milhões de portugueses, não tem que formar o dobro dos médicos, para o público e o privado. Os doentes não se tratam duas vezes, percebeu?
A OM preocupa-se com a qualidade dos médicos portugueses, não com o desemprego médico, que não incorpora nos seus argumentos formais. De qualquer modo, o desemprego médico vai ser uma realidade a curto prazo, apenas mitigado pela emigração, como demonstram todas as estatísticas (leia as estatísticas, JS). É estranho que JS pertença a um partido que combate o desemprego, mas pareça regozijar-se com o futuro desemprego médico! Uma incongruência...
Caro JS, agora que o BE "está no Governo", será que vamos finalmente discutir as condições da futura separação entre o setor público e o setor privado? É que a culpa não é da OM, é de sucessivos governos, que nunca o quiseram fazer! Já escrevi no JN sobre esta matéria, criticando o ex-ministro Paulo Macedo (não leu, JS?).
Caro JS, agora que o BE é "poder", esperamos que as principais dificuldades do SNS sejam rapidamente resolvidas, nomeadamente o subfinanciamento crónico, a grave falta de pessoal, sobretudo enfermeiros, de camas e de cuidados continuados, as faltas permanentes de material, a tecnologia e instalações envelhecidas, as más condições de trabalho e má organização interna, as nomeações sem meritocracia, o não acesso à inovação terapêutica, o infrapagamento das horas extra que os profissionais são obrigados a fazer, a ausência de investimento na prevenção, etc.
Finalmente, JS preocupa-se com quem escrutina a OM. Mas é simples! O Parlamento que escrutine a OM, que a chame para explicar e debater as decisões que toma! Está feito o desafio ao Parlamento e ao BE.
Ficamos a aguardar. De consciência tranquila e sem medo.
*BASTONÁRIO DA ORDEM DOS MÉDICOS
