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O recente congelamento do valor máxima das propinas, aprovado na Assembleia da República aquando da discussão do Orçamento do Estado para 2016 na especialidade, constitui uma vitória política e uma oportunidade de reflexão sem precedentes. Portugal é um dos países do espaço europeu que aplica propinas mais elevadas no Ensino Superior, sendo também um dos territórios com um nível de qualificações mais deficitário.
Nas últimas décadas, o valor das propinas evoluiu de um valor residual para montantes que, em algumas instituições, ultrapassam os quatro dígitos. É certo que este aumento muito expressivo foi acompanhado por um reforço da dotação orçamental em Ação Social Escolar, mas numa proporção claramente insuficiente. As bolsas de estudo são incapazes de assegurar que nenhum estudante fica para trás, quer no universo de pessoas que abrangem quer nos montantes e condições da sua atribuição. A existência das propinas é, per si, uma questão ideológica, que deve ser enquadrada numa discussão mais abrangente sobre as atividades ou recursos em que deve ser aplicado o princípio do utilizador pagador. Este princípio tem sido aproveitado por sucessivos governos como fundamento legitimador da generalização do pagamento direto de serviços, sem que em algum momento tenhamos promovido um debate, coletivo e consciente, sobre os bens públicos - e os direitos a si associados - cuja universalidade e gratuitidade queremos, efetivamente, garantir.
Assumindo a "Propina Zero" como uma causa justa, reconheço a dificuldade de abolir as propinas num horizonte próximo. Mas um país que tem o défice de qualificações que Portugal apresenta e uma tão premente necessidade de reforçar as suas fileiras de conhecimento não pode sujeitar os estudantes e as suas famílias a um esforço financeiro tão significativo. As propinas, para além de conceptualmente injustas, constituem um obstáculo material e imaterial à democratização do ensino. O argumento de que os estudantes do Ensino Superior provêm, maioritariamente, de classes mais favorecidas é interessante, mas as propinas só agravam a natureza desse problema, para além de que os impostos, pela sua progressividade, asseguram uma redistribuição mais justa do esforço de todos os contribuintes.
Depois de décadas de reconhecida falibilidade da Ação Social Escolar, do tão relevante alargamento da escolaridade obrigatória e do anúncio inesperado da abolição das propinas em diversos países da União Europeia, impõe-se uma reflexão em Portugal. Importa conhecer melhor em que medida as propinas dificultam o acesso e a frequência no Ensino Superior para definir o inevitável caminho da sua abolição, afirmando o conhecimento como um direito de todos e não como o privilégio de alguns.
SECRETÁRIO-GERAL DA JUVENTUDE SOCIALISTA