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Como se já não faltassem motivos para celebrar o 5 de outubro, anteontem ganhámos mais um, com a votação decisiva para a nomeação de António Guterres como secretário-geral da ONU. Bem pode ele falar de "humildade e gratidão", que nós responderemos com "orgulho e patriotismo" porque, de facto, não é normal que um país tenha, em tão curto espaço de tempo, dois cidadãos seus à frente da Comissão Europeia e da ONU, os cargos mais elevados da política europeia e da diplomacia mundial. Se isto não é motivo de celebração, não há campeonato europeu de futebol que o seja.
Mas recuemos um pouco até lá atrás, para encontrar um outro motivo patriótico de celebração. Foi a 5 de outubro de 1143 que Afonso Henriques contrariou o poder de Castela e Leão assinando com o seu primo Afonso VII, rei desses dois territórios, um tratado que marca o início daquilo que hoje conhecemos como Portugal.
O outro 5 de outubro patriótico é o de 1910, a data de implantação da República. Muitos acharão que o regime que se seguiu, com as suas confusões e as suas iniquidades - o prometido sufrágio universal afinal deixava de fora as mulheres e os analfabetos -, não tem assim tantos motivos de celebração. Eu contrario isso, lembrando que aquilo que se comemora a 5 de outubro é, antes do mais, a queda da monarquia, um regime iníquo baseado no princípio da hereditariedade e nos privilégios de casta em vez de fundado na meritocracia e no princípio básico de justiça da igualdade de todos os cidadãos perante a lei. A I República pode não ter sido perfeita, mas era seguramente mais justa que o regime posterior e foi fundada na vontade de construir uma sociedade melhor.
E é aqui que a eleição de António Guterres se mistura com os outros 5 de outubro. Porque é impossível não olhar para a escolha do novo secretário-geral como um processo em que a transparência contrariou a lógica de alguns poderosos, como a Alemanha. Porque é impossível não olhar para a eleição de Guterres como a vitória das qualidades e do mérito do melhor indivíduo, para lá dos jogos de bastidores e dos conceitos predeterminados que nos diziam que tinha de ser uma mulher oriunda dos países do Leste europeu.
Celebremos pois este 5 de outubro que nos devolveu um pouco daquilo que tem estado tão arredado de nós nestes tempos de cinismo e egoísmo: a crença de que ainda há, através da sua luta e do seu exemplo, quem consiga fazer deste um mundo melhor.
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