Nas corridas de galgos, há uma lebre mecânica que, por mais que corram, lhes escapa até que, finda a corrida, acaba por desaparecer. Nos últimos anos, a idade de reforma funciona como a lebre, sobretudo para as pessoas que, como eu, já viam a meta ali adiante. Corre-se e a meta continua à mesma distância e o prémio é cada vez menor. Não admira que os mais novos desistam de correr, emigrando ou, entre os expatriados de empresas portuguesas, optando por deixar de contribuir para a segurança social.
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Faço um esforço por entender os factores que determinam a decisão: a necessidade de garantir sustentabilidade ao sistema (isto é, que quem vem a seguir não fique, de repente, sem nenhum apoio), num contexto de alargamento da esperança de vida (isto é, em que depois de obtida a reforma se vivem mais anos) e de envelhecimento da população (isto é, em que o número de pessoas reformadas é cada vez maior por comparação com o número de jovens). Não é uma equação simples. Tenho colegas que se dedicam há anos a investigar estes sistemas e, mesmo entre aqueles que não sobrepõem a ideologia aos dados, as divergências são grandes. Em comum, dois pontos: muito tem de mudar; não podem ser apenas os vindouros a suportar os custos desse ajustamento. Desconfie, pois, quer dos que lhe dizem que não é preciso alterar nada, quer dos que têm uma solução simples e miraculosa, normalmente um corte ou um aumento, para o problema.
A questão das pensões de reforma é assunto delicado, podendo ser fracturante. Estão em causa, para muitos, uns últimos anos de vida com um mínimo de dignidade e, para quase todos, o gorar de expectativas criadas. Em parte, essa frustração é falta própria: nunca nos preocupámos em saber como é que essa coisa das pensões de reforma realmente funcionava. O instinto diz-nos que andámos a descontar para a nossa própria reforma. Não é assim. Isso aconteceria num sistema neoliberal. Que sindicatos e partidos de extrema-esquerda usem essa retórica, mostra até onde aquela ideologia já penetrou, pois recuso-me a acreditar que, em matéria com esta seriedade, ousassem recorrer à demagogia. Não!
Talvez uma forma de esclarecer o equívoco fosse a de dizer aos contribuintes qual seria a sua pensão se o sistema funcionasse como intuímos, se descontássemos apenas para nós. Os cálculos não são simples pois, no nosso sistema, os descontos de quem trabalha, e das empresas que lhes dão emprego, também garantem uma protecção no desemprego e os vencimentos variam ao longo da vida. Valeria a pena o esforço: a informação ajuda-nos a perceber melhor os problemas e a sermos mais escrupulosos nas decisões. A berraria que substitui a discussão está inquinada por essa falta de informação. Estou convencido de que, mesmo com uma taxa de actualização generosa, muitos dos atuais reformados constatariam que o valor da pensão correspondente aos descontos, que clamam ser um direito, seria bem menor do que a que recebem. Quando assim é, há alguém que, cedo ou tarde, irá pagar essa diferença. O exercício vale a pena mas, como as contas são complexas, podia-se fazer um ensaio com as pensões de reforma dos membros do Tribunal Constitucional.
O busílis da questão está aí: no número imenso de regimes especiais que os sucessivos governos foram criando, na gestão política do sistema que não acautelou o futuro e, mal maior, alimentou infundadas expectativas. É legítimo que a maioria dos cidadãos contribuintes, reformados ou não, se sintam defraudados, uns porque lhes dizem que lhes vão reduzir o que recebem, os outros porque não sabem se algum dia receberão seja o que for. Assim como é provável que, perante as dificuldades iminentes, o Governo tenda a tomar medidas circunstanciais que se reduzem ao habitual corte. Este é, mais uma vez, um domínio em que deveria haver uma base mínima de entendimento que salvaguardasse a estabilidade. Não há. Nem isso legitima as declarações de Seguro, afirmando que quando o PS for governo anulará as medidas esta semana anunciadas. Pensando bem, talvez tenha razão. Talvez tenha de tomar medidas ainda mais duras. É a vida!