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O ministro da Economia incitou, anteontem, os empresários a aumentarem os salários dos seus trabalhadores mal tenham alguma folga nas contas. Queria Pires de Lima dizer: não estejam, como habitualmente, à espera de que o Governo sinalize a possibilidade de subir os vencimentos aumentando, por exemplo, o salário mínimo. Trata-se de um bom conselho, desde logo porque, com uma conjuntura tão periclitante como a atual, só um encartado vidente pode dizer quando aumentará o salário mínimo.
A preocupação de Pires de Lima tem razão de ser. Se os empresários puderem mexer para cima na massa salarial estão, simultaneamente, a ajudar os seus trabalhadores a manter empregos (ou mesmo a aumentá-los, caso as encomendas ajudem) e a dar uma ajudinha ao consumo interno.
Mas a preocupação de Pires de Lima também não tem razão de ser. Por um motivo muito prosaico: se o Estado pagasse o que deve às empresas - qualquer coisa como três mil milhões de euros -, os empresários teriam certamente mais folga na caixa para subir salários e equilibrar as contas. Pires de Lima sabe, porque foi empresário durante muitos anos, que, quando o Estado não paga o que deve, cria-se um círculo vicioso terrível: a seguir, são as empresas que, descapitalizadas, não pagam aos seus fornecedores, que, por sua vez, não pagam ao Fisco e à Segurança Social, que, por sua vez, caem em cima das empresas, que, por sua vez, são obrigadas a reduzir custos e tantas vezes a fechar portas, desempregando.
Donde: a coisa resolvia-se (ou reduzia-se bastante, pelo menos) se o Estado cumprisse a sua obrigação e não se transformasse num dos maiores caloteiros da nossa economia. Com contas à moda do Porto, a coisa resolvia-se.
Quem diz à moda do Porto, pode também dizer à moda da Trofa. O recém-eleito presidente da Câmara, o social-democrata Sérgio Humberto, usou a sua primeira cerimónia pública para acertar contas com os credores da autarquia. Pagou 14 milhões de euros de dívidas em atraso a cerca de 50 empresas e prometeu regularizar a situação com as restantes já na próxima semana (mais 30 milhões de euros). Alguns dos credores esperavam pelo dinheiro há uma década! Algumas dívidas eram de 70 ou 80 euros! Depois de passar os cheques, o autarca fez questão de "pedir desculpa" aos credores.
Isto, que devia ser a regra num Estado às direitas, é a exceção num Estado que se habituou a viver às avessas. Ao regularizar os pagamentos a empresas de áreas como a energia, serviços de limpeza, arqueologia, eletrodomésticos e até instrumentos musicais, Sérgio Humberto aliviou, seguramente, o garrote de muitas delas. Faz bem à alma saber que, no meio deste caos, ainda há quem goste de palavras como honra, seriedade e dignidade.