1. Há várias consequências geradas pela crise do Grupo Espírito Santo (GES). A primeira é a de tornar mais difícil a atração do investimento internacional nos próximos tempos. Numa altura em que já tanto dinheiro tinha saído do país, aquando do pedido de ajuda à troika, o falhanço de um grupo como o GES - com títulos e propriedades espalhados por todo o Mundo -, significa, em paralelo, o falhanço do país nos mercados globais. A negligente supervisão do Banco de Portugal e sobretudo da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) face ao todo-poderoso Ricardo Salgado, permitindo falcatruas nas contas e vendas tóxicas aos balcões BES (depois da experiência BPN) não seriam imagináveis. É verdade que Ricardo Salgado mandava em tudo e todos mas por isso mesmo o Banco de Portugal e a CMVM são independentes e têm poderes efetivos para evitar casos destes. Ou seja: uma vez mais não aprendemos.
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2. A segunda triste conclusão deste processo é consolidar-se a ideia de que ter dinheiro em Portugal, ou ativos portugueses, pode ser perigoso. Quando a troika chegou um amigo disse-me: "Meti o dinheiro no Deutsche Bank". Se todos os portugueses fizerem o mesmo, a economia portuguesa vai ainda mais ao fundo. Mas a verdade é que a dramática contaminação da falência dos negócios não-financeiros do GES ao BES levou a que milhares de pessoas, discretamente, tirassem o dinheiro do BES. E a questão daqui para a frente é cada vez mais esta: quem tem dinheiro, coloca-o em Portugal? Se a opção for "fora de Portugal" destrói-se o que resta da Banca e da economia porque os depósitos eram quase a única a forma dos bancos cá instalados financiarem as empresas e os particulares. Além disso, o "risco Portugal" torna incomportável comprar dinheiro lá fora. Tudo conjugado e perde-se a ténue recuperação económica.
3. Como fica o maior banco privado do país? Basta olhar para as notícias e percebe-se que a confiança na marca e no grupo BES/GES era quase total. Até Américo Amorim ou a Porto Editora foram "apanhados" com "Papel Comercial Rioforte" e não são gente que não sabe ler relatórios e contas. (Até à crise este produto chamava-se "Papel Comercial BES/GES" e assim foi vendido. Sólido como o banco. Afinal pertence a uma sociedade de investimento internacional que detém hotéis, imobiliário e agricultura. Chama-se Rioforte e está falida).
A Rioforte precisava de liquidez e ia lançando "papel comercial". O BES vendia-o como aplicação de curto/médio prazo, considerado um produto não-complexo - um dos três que o BES vendia ao balcão para clientes avessos ao risco. As outras opções eram: depósitos a prazo e fundos de liquidez GES. Variava ligeiramente a forma como se podia resgatar o dinheiro antes do prazo, e o juro - numa gama de rendimentos entre os 3% a 4%. Grandes, médios e pequenos empresários, profissionais liberais, particulares (viúvas com pé de meia, por exemplo) - enfim, quase todos os clientes do BES que não queriam risco - subscreviam estes produtos.
Ora, apesar do BES ter prometido que o dinheiro aplicado ao balcão será pago e o Banco de Portugal ter exigido (e bem, mas apenas em março) uma provisão do GES/Rioforte para as "vítimas do retalho", a confiança entre o BES e os clientes também está em causa, o que é grave para o futuro do banco e dos milhares que lá trabalham.
4. Resultado: Portugal perde o seu maior grupo financeiro - o único com dimensão internacional - , perde em certo sentido a PT, perde credibilidade nos mercados e afasta o capital estrangeiro. Passos Coelho, que começou por se defender, e bem, do polvo "Ricardo Salgado", não conseguiu ser depois o "Comandante" face aos "mercados". As bolsas mundiais a caírem por causa de Portugal e Passos a fazer afirmações para consumo interno. Precisava-se sim de uma demonstração de defesa do sistema bancário e do risco da dívida nacional - com diplomacia, ações coordenadas com o Banco Central Europeu e intervenção permanente do Banco de Portugal para evitar o pânico. Passos demitiu-se dessa coordenação e os mercados quase levaram tudo pelo ar. Ontem, no entanto, aconteceu um milagre: vão surgir novos investidores para o banco. Afinal, talvez Deus não seja brasileiro.