Com muito breves interrupções, já passaram três semanas desde que começaram as ações militares de Israel na Faixa de Gaza. Durante esse período, tanto no terreno como fora dele, foram-se extremando as posições e os efeitos devastadores da guerra. Começa, por isso, a ser praticável um balanço. Que é feio, como seria de esperar.
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Há um pressuposto não cumprido, que não depende da vitória ou da derrota. E esse é o de que Israel impede a realização do direito de autodeterminação dos palestinos. Às relações entre Israel e a Palestina aplica-se, por isso, o direito da ocupação. Nem vale a pena dizer-se que já existe uma Autoridade Palestina, porque o direito de um povo a existir como Estado (e os palestinos, parece-me indiscutível, detêm-no) não depende de quaisquer razões que possa invocar aquele que de forma ilegítima o bloqueia.
Em segundo lugar, com exceção do recurso a ações terroristas ou a ações de guerra ilícitas, as organizações representativas palestinas - e aqui também incluo o detestável Hamas - têm o direito de, esgotadas outras vias, recorrer à força militar contra a potência ocupante. Ou seja, contra Israel. Transcorridos 66 anos sobre a independência de Israel, poucos defenderão que ainda não chegou a altura de palestinos, eles também, se constituírem em Estado.
Em terceiro lugar, se nas relações entre Israel e palestinos se aplica o direito dos conflitos armados, só impropriamente podem os israelitas invocar o direito de legítima defesa para justificarem as suas ações militares para fazerem cessar os ataques do Hamas dirigidos contra o seu território. De forma diferente, do que se trata é do reacender das armas onde já se aplica o direito dos conflitos armados. Por conseguinte, se é evidente que Israel pode tentar impedir que esses ataques continuem (porque nem ao ocupante se pode pedir que se suicide e nada faça para proteger os seus cidadãos), não pode é apresentar-se como agredido e acobertar-se no conforto da legítima defesa. Porque Israel, goste ou não goste, é o infrator originário.
Em quarto lugar, os ataques do Hamas são ilícitos, porque dirigidos indiscriminadamente contra um território e não contra um alvo militar. Isto quer dizer, em termos simples, que o Hamas viola o Direito e não pode alegar, hipocritamente, os direitos dos palestinos para reivindicar o direito de matar civis israelitas. O Hamas, é bom não o esquecer, foi sempre apoiado por países e regimes (como o Irão e algumas das monarquias do Golfo) que, a bem dizer, pouco ou nada se importam com as crianças de Gaza: querem é ter um instrumento violento contra Israel. O Hamas, também é bom não o esquecer, apoia o Exército Islâmico do Iraque e do Levante, esse grupo de bandidos que, invocando o Islão, semeia o terror mais absoluto na Síria e no Iraque.
Em quinto lugar, mesmo que a combater o Hamas, Israel não consegue demonstrar que este represente uma ameaça fundamental para a sua segurança e muito menos para a sua existência. Vejamos porquê. Até ao momento, as baixas são as seguintes: 798 palestinos (dos quais a enorme maioria é constituída por não combatentes), 36 israelitas (dos quais 34 militares e dois civis) e um tailandês. De todos os mortos, só se contam três civis em consequência dos ataques com rockets do Hamas, pela eficiência notável dos sistemas de defesa detidos por Israel. Logo, como é claro, e sem desvalorizar as três vidas perdidas, a ausência de proporcionalidade da resposta é obscena.
Por último, Israel diz ser impossível fazer diferente porque o Hamas mistura os seus militantes e os seus meios de combate no seio da população civil, servindo-se dela, de forma cobarde, como escudo humano. É verdade. Ainda assim, Israel não tem carta-branca para matar civis utilizando esse argumento. Ao agir desta forma brutal e desumana, Israel viola um princípio elementar de distinção entre combatentes e não-combatentes, de nada lhe servindo alegar que atua com o objetivo de causar o menor número possível de baixas civis. É que os números são demasiado óbvios para que essa justificação possa ser aceite.
Tenho a certeza de que, estivesse o Hamas na posição de força de Israel, faria o mesmo ou, provavelmente, faria bem pior. Mas aí tem estado o pior argumento de Israel. Na verdade, se quiser doravante ser colocado no mesmo plano do Hamas, que o assuma, para como o Hamas ser tratado.