Carta a Subir Lall, funcionário do FMI
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Caro Subir, ilustríssimo membro da troika, notei a frase que deixou cair na entrevista ao "Jornal de Negócios", no princípio desta semana: "Penso que ainda ninguém percebeu muito bem como é que a taxa de desemprego está a baixar". Adivinho-lhe o cenho franzido perante a partida que a realidade prega ao modelo. Adiante.
A descida da taxa de desemprego é uma boa notícia. E, como julgo percebê-la, gostaria de partilhar consigo a minha interpretação e respetivas consequências.
De acordo com os dados mais recentes, a taxa de desemprego está nos 13,1%, tendo caído 2,4 pontos percentuais face ao mesmo período do ano passado. São umas 690 mil pessoas, quase metade das quais não beneficia de qualquer subsídio de desemprego. Se retivermos os "desencorajados", que são os não empregados que já desistiram de procurar emprego, teremos mais 300 mil. Ponha em números redondos: um milhão de seres humanos, mais 200 mil do que os que estavam em situação equivalente no início do programa da troika. Este resultado é seu.
E, se precisar de colori-lo, pode destacar o desemprego entre os mais jovens: um em cada três. Ou os casais em que ambos os cônjuges estão desempregados: 11 mil, mais 7 mil do que em 2011. Ou as insolvências de empresas decretadas na primeira instância, que atualmente são 44 por dia. Resumindo: espero, meu caro, que ao menos perceba por que é que o desemprego subiu tanto, nestes três anos em que às políticas da troika se somaram as "políticas para além da troika", abençoadas por si e os seus chefes.
Podia ter aumentado mais? Podia, sim, a taxa podia ser ainda mais alta. Sobretudo, se não tivesse voltado a funcionar o antigo escape da população portuguesa, a emigração. 350 mil pessoas emigradas nos últimos três anos, estimado Subir, em cada dia partindo mais de 300 - velhos e jovens, homens e mulheres, de todos os níveis de instrução. Também pode pôr isto do seu lado.
Agora, não percebe por que é que caiu o desemprego registado pelo INE nos últimos 12 meses. Como não percebe? Não vejo aqui nenhum mistério. Primeiro, a economia (mais até o setor de bens não transacionáveis, vê a ironia?) e o Estado criaram trabalho: quase 100 mil novos empregos. Quando a economia cresce, Subir, o emprego cresce. Depois, o número de desempregados que se encontram em ações de formação e programas ocupacionais do IEFP subiu significativamente: são agora, em números redondos, 150 mil, mais 40 mil do que há um ano, mais 130 mil do que no início do "ajustamento".
Não é uma crítica. Longe do credo neoliberal, louvo as políticas ativas de emprego e de formação, como uma responsabilidade e um recurso próprio dos poderes públicos, também para contrariar o efeito das crises. Para mim, a vergonha não é haver 150 mil ocupados que não contam para as estatísticas do desemprego, mas que não estão propriamente empregados. Vergonha é o facto de 240 mil jovens portugueses nem estarem a estudar, nem empregados, nem em formação. (Também aí tem Você créditos firmados, embora deva partilhá-los, pelo menos, com o Prof. Nuno Crato).
O que eu não compreendo é a sua admiração. Pois é fácil de ver por que tem caído o desemprego, quanto isso resulta da política de ocupação subsidiada, e quão frágil é, portanto, a recuperação que as estatísticas registam e eu saúdo.
Por isso, caro Subir, talvez devessem ser, todos os seus, menos arrogantes. Quando o jornal lhe pergunta, e bem, como é que se paga a dívida em quase deflação, Você responde secamente: "aumenta o desafio". Homem, não, é ao contrário. Jogado pelas suas regras, o desafio foi perdido. E sabe quem sofreu as consequências desse desafio mal jogado e mal perdido? A economia, o emprego, as pessoas. (As pessoas, Subir, você deve ter uma ideia do que são, certo?)