O Ministério Público (MP) arquivou o inquérito às suspeitas de corrupção na aquisição dos submarinos "Tridente" e "Arpão", sem deduzir acusação. Anteriormente, tinha acusado outras pessoas de terem enganado o Estado, no mesmo processo, ficcionando contrapartidas inexistentes, mas acabou por pedir, em tribunal, a sua absolvição. Estes factos merecem reflexão.
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A opção pela compra de submarinos é do foro político-militar. E a primeira questão é saber se, estando os submarinos existentes no fim do ciclo de vida, o país devia substituí-los, mantendo essa capacidade, ou abandoná-la. Pessoalmente, defendo que se deve mantê-la.
A segunda é uma questão de oportunidade. Dadas as restrições financeiras que Portugal conhece a partir de 2001 e as necessidades de equipamento militar, era ou não prioritária a aquisição dos submarinos. Com base na informação disponível provinda das Forças Armadas, eu diria que não. Mas entendo a razoabilidade do argumento de que interromper, em 2002, um processo iniciado já pelo último Governo de Cavaco Silva traria mais prejuízos do que vantagens.
As condições contratuais da compra dos submarinos também são tema de debate. Tenho dito e repetido que avalio negativamente os termos da contratualização, porque o Estado acabou por renunciar aos instrumentos de defesa que começou, e bem, por acautelar. O principal era a ligação entre o cumprimento das contrapartidas e a aquisição.
É uma matéria de opinião, jurídica e política. Como também o é a avaliação do processo de seleção dos fabricantes, o esquema de financiamento e a monitorização das contrapartidas. Como geralmente acontece, há aqui uma dimensão moral que não é de somenos importância. Por exemplo, os montantes pagos à Escom e os distribuídos no interior desta são, segundo os meus critérios, imorais.
Até agora, não lidei com nenhuma questão penal. Ela foi introduzida por quem de direito - o Ministério Público -, que suspeitou de pessoas, as questionou, umas como arguidas, outras como testemunhas, fez eco público dessas suspeitas e fundamentou-as, e ao longo de vários anos manteve, sobre advogados, empresários, altos dirigentes do Estado e das Forças Armadas e responsáveis político-partidários uma nuvem de suspeição que a todos prejudicou severamente, pelo menos em termos de reputação pública e profissional. E, uns nunca acusados, e abortada a acusação no caso de outros, a todos, sem exceção, seria devido um gesto de reparação.
Repito: a todos; e sem formulações ambíguas, cujo efeito útil é prolongar a suspeição. Em matéria penal, não se fazer prova de acusação não pode significar outra coisa que não seja corroborar a inocência.
Mas, do ponto de vista institucional, há um plano ainda mais importante para a reflexão coletiva e pública. Ele diz respeito à cultura e à eficácia do desempenho do Ministério Público. A somar a tantos outros, o caso dos submarinos é sintoma de uma doença que corrói a administração da justiça criminal.
Para quem vê de fora (e, por isso mesmo, pode ter uma perceção distorcida ou incompleta), o MP padece de várias maleitas. Falta de autoridade do topo da sua hierarquia. Precipitação nas acusações. Gestão política e/ou corporativa dos processos. Perniciosa cumplicidade com a imprensa mais tabloide. Um discurso sindical e corporativo inaceitavelmente justicialista. Desprezo pelos danos reputacionais causados infundada e/ou prematuramente a pessoas e instituições. Preguiça na investigação. E uma concentração obsessiva na desculpa da falta dos meios ou na influência dos "poderosos", concentração inversamente proporcional, aliás, à dimensão e qualidade dos resultados obtidos.
Não estou a dizer que o MP deva acusar, ou pedir a condenação, só para salvar a face. Estou a dizer o contrário. Sugiro que quem manda no MP devia olhar com olhos de ver para esta sucessão de equívocos e fracassos. Isto, claro, se o MP quiser voltar de novo à superfície.
SOCIÓLOGO, PROFESSOR DA FACULDADE DE ECONOMIA DO PORTO