Se fosse tão matematicamente simples como sugeriu o presidente da República, estava resolvido. Empurrava-se a Grécia borda fora e ficavam 18 na barcaça do euro. Os que merecem. A ligeireza de análise de Cavaco Silva só não nos envergonha porque já nos fomos habituando à grandeza do seu estadismo e ao curto alcance dos seus prognósticos. Mas aproveitemos o embalo de Belém para fazer contas.
É verdade que os credores despenderam quantias exorbitantes para "salvar" a Grécia. Houve dois resgates. Dívida perdoada. E, no final, apenas uma versão atualizada do caos. Mais pobreza. Por que carga de água havemos, então, de emprestar-lhes mais dinheiro?
Ontem, em mais um volte-face dramático neste impasse penoso, Bruxelas recusou um terceiro resgate pedido por Atenas. Não à extensão do atual programa, não a um perdão da dívida. A dívida. O dinheiro fresco seria para isso: para pagar a dívida externa e garantir as obrigações da dívida interna. Deixando o FMI de fora. Recorrendo só ao Mecanismo Europeu de Estabilidade. Fazendo da Alemanha o maior credor. Hoje haverá nova ronda negocial. Tudo pode acontecer. Outra vez. No domingo há um referendo. Sobre esta trapalhada. Perguntar o quê se ainda ninguém percebeu que respostas pode dar?
Atenas quis, mais uma vez, honrar os compromissos com quem lhe emprestou dinheiro. A nova tranche permitiria à economia respirar um pouco melhor, mas, à imagem do que aconteceu entre 2010 e 2012, durante os dois primeiros resgates, iria servir sobretudo para alimentar os donos da dívida. Convém não esquecer que, dos 240 mil milhões de euros recebidos por Atenas, apenas menos de 10% foram aplicados na reforma da economia e no acautelamento dos interesses dos setores da sociedade mais desprotegidos. A esmagadora maioria da prebenda foi direitinha para os bancos que tinham dívida grega antes do colapso financeiro. A cura não chegou ao doente.
Batemos, por isso, sempre no mesmo: na dívida. Ontem, o jornal britânico "The Guardian" citava documentos secretos na posse dos credores que comprovam que, mesmo que a Grécia aceite as condições impostas pela troika, o nível de endividamento da sua economia continuará insustentável em... 2030. O euro até pode ser salvo, Atenas até pode manter-se no clube, os credores até podem cantar vitória. Mas o cutelo permanecerá lá, bem afiado. Sobre as cabeças da Grécia e de Portugal. Se a economia mirra ou cresce a passo de caracol, não há milagres. A dívida, como a morte, é a única coisa certa. É para a vida.
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