O que é que José Sócrates tem a ver com o descalabro da Grécia? Nada? Tudo? Bem, há visões distintas sobre a lógica desta associação. Para o PS, trata-se de dois fantasmas que convém manter controlados no armário. O primeiro porque é uma bomba-deflagradora que pode rebentar a qualquer momento no Largo do Rato, seja por via de uma libertação, seja na forma de uma acusação formal em cima das legislativas; o segundo porque arrisca, pura e simplesmente, transformar-se no grande tema da campanha interna que se avizinha. O melhor que pode acontecer ao PS é a Grécia sair airosamente da tormenta e permanecer no euro. Se correr mal, dificilmente António Costa conseguirá disfarçar o azedume de uma derrota.
Para os portugueses, contudo, só fará sentido replicar em casa o "não" gritado em Atenas se a normalidade regressar ao quotidiano grego. Exultar a coragem do eleitorado helénico dá músculo ao discurso político antiausteridade, mas se o dinheiro não começar a chegar rapidamente à economia e as imagens dos pensionistas desesperados à porta dos bancos se perpetuarem, muito provavelmente prevalecerá o conceito do medo, ontem oportunamente recuperado pelo primeiro-ministro. O romantismo bate de frente com a realidade. E com eles saem a ganhar PSD e CDS. Pelo menos teoricamente, porque para sermos justos ninguém sabe verdadeiramente como isto vai acabar.
O "nós não somos a Grécia" é um filme que vai a meio. A coligação governamental tem um polícia bom (Passos) e um polícia mau (Portas) a gerir as expectativas do eleitorado. O primeiro é mais contido no aproveitamento eleitoral da situação, até porque sabe que caminha descalço em cima de um trapézio; o segundo recorre à ironia fina para colar o mais possível os socialistas à ideia do "estão a ver a Grécia? Se fossemos por onde eles queriam estavamos assim". Pelo meio, o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, fez um dois em um: agitou o fantasma da instabilidade e lembrou que o "culpado" por estarmos onde estamos está preso.
Hoje, duas nações estarão em debate no Parlamento. A portuguesa e a grega. Gostaria que se discutisse mais a primeira e menos a segunda. Mas a verdade é que continuamos reféns do passado. De duas visões anacrónicas do mesmo país: aquele que empobreceu brutalmente com a austeridade; e aquele que se salvou da ruína graças à austeridade. Será pedir muito que nos falem também do futuro? Para começarmos mesmo a acreditar que não somos a Grécia?
