Se tem passado os últimos dias da sua existência em busca de conceitos inovadores, ideologias à prova de bala ou ambiciosos projetos coletivos, tire o cavalinho da chuva: a campanha eleitoral só está obcecada em produzir números. Há os assustadores, há os que nos enchem de esperança, há números com muitos zeros que nascem e morrem no mesmo dia, há números cuja única missão é confirmar números que, por seu turno, desmentem outros números. Há, enfim, números tão importantes e tão furiosamente depurados que, no final da equação, acabam varridos para o cantinho do pó mediático. Porque são apenas contas de somar e de subtrair cujo alcance a maioria dos eleitores não entende. O que é duplamente perverso: à falta de compreensão, segue-se o desinteresse generalizado e o vazio.
Quando a economia toma conta da política de uma forma tão voraz, é natural que os algarismos se substituam às palavras. Em certa medida, a tentação discursiva de centrar a campanha na matemática é reveladora da estratégia prudente seguida pelos principais candidatos, que hipotecam a seriedade, a palavra de honra e o sentido de compromisso em nome de fórmulas matemáticas, projeções económicas e relatórios internacionais. A lógica é simples: se está contabilizado, é porque é verdade. A coligação entre Passos Coelho e Paulo Portas exibe os números do Portugal de agora, António Costa acena com os números do Portugal que há de vir.
No meio, estamos nós. Assoberbados com plafonamentos, condições de recursos, pensões máximas e mínimas, tabelas, complementos e subsídios. Somos portugueses nas frases retumbantes, mas, no calor da refrega, reduzem-nos a esforçados alunos de economia que pagam impostos com um patriotismo inatacável.
Veja-se o folhetim das pensões e da sustentabilidade da Segurança Social, ao que parece o único assunto que mobiliza o país. O que sabemos nós até ao momento? Muita coisa e quase nada. Números? Muitos. A coligação quer tapar um buraco de 600 milhões de euros na Segurança Social, mas Passos Coelho conta com a bonomia dos portugueses para não explicar como. Plafonamentos nas pensões? Em princípio, só a partir dos 2700 euros. Mas logo se vê, na Concertação Social.
António Costa quer cortar 1000 milhões de euros na Previdência - porque a realidade dinâmica em que vive lhe permite antecipar a criação de largos milhares de postos de trabalho (e, com isso, abrandar o esforço das prestações) - e manter, ainda assim, as pensões intactas. Mais: haverá, até, um reforço das prestações sociais nos próximos quatro anos na ordem dos 1400 milhões de euros.
Por isso, conforme-se, caro eleitor: se está desempregado, emigrou, tem um trabalho precário, se não tem como pagar as taxas moderadoras ou não consegue dar ao seu filho qualquer perspetiva, esqueça esta campanha. Há números e números.
