Há vários anacronismos na forma como lidamos com as eleições, mas o mais extraordinário é a lei que nos obriga a estarmos caladinhos na véspera e no dia em que votamos. Tudo para que, durante esse magro mas precioso espaço de tempo, não influenciemos aqueles que, durante semanas a fio, foram influenciados com uma constância próxima de um bombardeamento aéreo. O período de reflexão é absurdo, é um insulto à nossa inteligência e, acima de tudo, revela-se ineficaz, porque está desenquadrado da realidade e não tem mecanismos de controlo efetivos. É um casaco de 1979 que, em 2015, já não nos serve e está claramente fora de moda.
Ainda assim, eleição após eleição, fingimos que cumprimos: dois dias de desmame, de desintoxicação informativa, sem propaganda, em que não nos resta outra saída que não seja a de irmos até à beira-mar contemplar o Atlântico, fecharmo-nos na cave sem comunicações ou, em alternativa, darmos largas ao impulso consumista num shopping e gastar o dinheiro que não temos porque nos foi tirado pelo Governo em quem não vamos votar. Como se o eleitorado (mesmo a larga maioria que não seguiu com fervor o debate político) precisasse daqueles dois dias para decidir em quem vai votar. Provavelmente, aos indecisos até ajudaria um pouco mais de informação em cima do acontecimento.
Há um lado benigno no espírito da lei. Pretende-se "preservar a liberdade de escolha dos cidadãos, procurando impedir qualquer forma de pressão na formação da vontade do eleitor". O problema é que erguer uma barreira "higiénica" entre o período de campanha e o dia das eleições, numa sociedade altamente informada e informatizada como a nossa, é como querer apagar fogos com bisnagas. Há uns bons pares de anos, talvez fizesse sentido estarmos preocupados com a possibilidade de um militante mais cioso instalar umas colunas na varanda de casa com o hino do partido, mas não agora. Não com as redes sociais.
Em certa medida, a lei eleitoral acompanhou o progresso, mas introduziu regras bizantinas sobre o uso do Facebook (já agora, esqueceram--se de que há uma coisa chamada Twitter?). Assim: se o seu perfil do Facebook for público, só pode postar fotos de gatinhos e pores do sol. Zero política. Mas se for privado, e a eles apenas acederem os seus amigos (e não os amigos dos amigos), então pode substituir a foto de perfil por uma de Passos, de Costa ou de Marinho e Pinto. Está dentro da lei.
Em Portugal, há 9,5 milhões de eleitores inscritos nos cadernos. Destes, 4,29 milhões acedem ao Facebook. Por isso, das duas uma: ou a Comissão Nacional de Eleições reforça significativamente o seu quadro de pessoal, ou então voltamos a fingir que a lei se cumpriu patrioticamente e ficamos reconfortados. Já agora: no domingo, não se esqueça: guarde a arma de caça, mas vá ao futebol. E, a caminho do local de voto, vende os olhos. Não queremos que os cartazes partidários que vão ficar plantados nas ruas até à Páscoa o influenciem.
