1. Se há um ano alguém arriscasse uma vitória da Direita seria, muito provavelmente, convidado a rever a medicação ou a sair mais à rua. Daí que meio Portugal se interrogue: como é que o eleitorado foi capaz de premiar aqueles que tiraram tanto a tanta gente? "A democracia é a pior forma de governo, à exceção de todos os outros já experimentados ao longo da história", disse, um dia, Winston Churchill.
2. É verdade que foi por "poucochinho", mas deve formar Governo quem tem mais votos. O exercício da democracia não pode ficar refém do conforto das maiorias absolutas, dos arranjos na secretaria ou do temperamento das agências de rating.
3. Os eleitores foram claros: queremos um Governo de Direita e um Parlamento de Esquerda. No meio ficam a política e os consensos. É mais difícil? É. Vai ser mais conflituoso? Vai. Iremos ter mais debate? Certamente que sim. Então, qual é o mal?
4. Antes de termos uma discussão sobre a legitimidade de governar sem maioria absoluta parlamentar devemos olhar para a abstenção. A maior de sempre. A verdade é que a nova Assembleia da República não representa sequer metade do país com capacidade de voto. Vejamos: em Portugal, há 9,4 milhões de eleitores inscritos. Descontando o milhão de eleitores-fantasma que vagueia nos cadernos, os mais de quatro milhões que pura e simplesmente não quiseram saber e os 350 mil que emigraram nos últimos quatro anos, atingimos, em números redondos, a dramática cifra de mais de cinco milhões de portugueses que se divorciaram do futuro político da nação. Não foi quem ganhou as eleições no dia 4. Foi quem perdeu as eleições no dia 4.
5. Um olhar distante sugere que o eleitorado foi, uma vez mais, complacente com os três partidos do arco do poder. Mas um olhar atento desmente esta conclusão. Desde 1985 que PSD, PS e CDS não tinham um desempenho tão fraco. PSD e CDS só tinham feito pior com Santana Lopes. E os socialistas nem no pântano pós-Guterres bateram tão fundo. Isto quer dizer alguma coisa.
6. Por fim, a governabilidade. Ou o PS se transforma no novo Tribunal Constitucional e, aliado a BE e PCP, usa a maioria parlamentar para derrubar o Governo, abrindo uma crise política suicida; ou, em alternativa, assume a condição de partido fundamental, deixa Catarina Martins e Jerónimo de Sousa entregues à Esquerda e capitaliza a sua influência, forçando entendimentos com PSD e CDS. No fundo, foi isso que Cavaco Silva comunicou ontem ao país. Passos ganhou as eleições, mas é o PS quem guarda a chave da estabilidade. O que, para um partido que se espalhou ao comprido, não é fácil de gerir. Razão tinha Churchill.
*EDITOR-EXECUTIVO-ADJUNTO
