1 É o único dado que já se pode dar por adquirido: não haverá um Governo PSD/CDS com apoio parlamentar do PS. Percebeu-se cedo que a vontade de assumir um compromisso era nulo de parte a parte (o primeiro encontro, sem propostas em cima da mesa, foi revelador) e Passos Coelho deu ontem o assunto por encerrado: não haverá mais "faz de conta". Isso não significa, no entanto, que o próximo Governo não venha a ser do PSD/CDS. Pelo contrário, é a hipótese mais provável. Ainda que se mantenha a dúvida sobre a sua duração: apenas entre a data da nomeação do primeiro-ministro e o chumbo do seu Governo no Parlamento; ou algo mais do que esse curto horizonte, se o PS não acompanhar a moção de rejeição anunciada por comunistas e bloquistas. Cavaco Silva não dispensará esta primeira etapa, mesmo no caso (ainda improvável) de António Costa lhe apresentar previamente uma solução alternativa de Governo, com apoio do BE e do PCP. Ou seja, Passos e Portas terão a sua oportunidade para tentar governar em minoria. O facto de haver um presidente da sua área política ajuda a garantir que assim será. De qualquer forma, e como ficou dito no arranque, à parte o desentendimento entre PSD/CDS por um lado, e PS por outro, nada pode ser dado como adquirido.
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2 Nesta inovação de dialogar à Esquerda, o grande protagonista é António Costa. Mas não é o único que coloca a cabeça no cepo. Pode até dizer-se que o líder socialista é quem tem menos a perder. A sua morte política estava decretada, nenhum resultado poderá ser pior do que esse. Os dois partidos mais à Esquerda também jogam o seu futuro peso eleitoral e político. Quiseram agarrar a oportunidade de ultrapassar o preconceito de serem partidos de protesto, mas, ao fazê-lo, expõem-se às consequências de defraudar os seus eleitores. O PCP porque foi aquele que mais surpreendeu ao abrir as portas a uma negociação com o velho inimigo, e terá agora de provar que não foi um truque retórico. No caso do BE, acresce o que resultou da própria dinâmica eleitoral. Os bloquistas foram eficazes a captar eleitores que antes votaram PS (quase anulando os ganhos socialistas junto dos eleitores que antes votaram à Direita) e a isso não terá sido estranho o desafio de Catarina Martins, ainda durante a campanha, de admitir viabilizar um Governo socialista mediante condições que não são difíceis de preencher. Acresce que foi também a líder bloquista a mais entusiástica logo após a primeira ronda de negociações: o Governo de Passos e Portas acabou! Sobra-lhe pouco espaço para dificultar esse acordo, da mesma forma que lhe sobram eleitores que rapidamente abandonarão o Bloco se assim não for.