Os médicos deram-lhe menos de 12 meses de vida. Maria tinha duas opções: protagonizar, até ao limite da tolerância física, uma batalha sofrida e inglória contra um cancro terminal; ou pedir a amigos da família que a levassem à Suíça para morrer dignamente e em paz. Aos 67 anos, Maria escolheu a opção B. Não quis "desaparecer aos bocados", como pode ler-se na sinopse do livro "Morte assistida, temos o direito de escolher a forma como morremos?", da autoria de Lucília Galha. Maria será o único caso de um português que recorreu a uma associação de apoio ao suicídio assistido.
Depois de, em 2008, se ter gorado entre nós a tentativa de legalizar a eutanásia, a discussão esfumou-se, engolida pelo fatalismo da crise económica e pelo debate em torno das várias formas de sobrevida além da troika. Porém, sete anos volvidos, Portugal despertou para o assunto, com a criação, há dias, de uma associação right-to-die (direito a morrer), cujo objetivo é defender os direitos dos doentes e a liberdade de escolherem se e quando querem morrer. Na sua dupla vertente: com recurso à eutanásia (em que alguém administra a um doente, a seu pedido, uma dose letal de fármacos) ou recorrendo ao suicídio assistido (é o doente que, ainda que sob vigilância técnica, ingere a droga). Estranhamente, Portugal era dos poucos países da Europa sem um lóbi desta natureza institucionalizado.
Há, na argumentação em defesa da vida - e, sobretudo, do conceito que dela temos -, uma complexidade que cruza vários domínios: o das convicções ideológicas, o da religião e o da lei. O último, e mais relevante para o caso, é cristalino nas fronteiras que traça: o incitamento ou a ajuda ao suicídio é penalizado com uma pena de prisão até três anos.
Termos dado este passo é, independentemente do que possa ser feito em matéria legislativa, uma saudável demonstração do amadurecimento da nossa sociedade. Pessoalmente, só consigo entender a vida com dignidade e sem sofrimento. Não concebo que seja o Estado ou um juiz a decidir o que deve um doente terminal fazer se, na posse das suas faculdades, sendo maior de idade e estando comprovada a dimensão do seu sofrimento, entender que chegou o momento de partir. Essa é, se quisermos, a última liberdade a que nos podemos permitir.
"Se os mortos falassem, já se tinha despenalizado a morte assistida há muito tempo", ironizou, na apresentação do movimento cívico, o médico João Semedo. O debate começou agora. Com serenidade, aceitemos todos o desafio de não o deixar morrer. Por respeito aos vivos.
