Nunca saberemos que loucura atravessa uma mãe, ou um pai, no momento em que decide matar um filho. Como nunca saberemos o que passa pela cabeça de uma mãe, ou de um pai, que abandona um filho sozinho em casa para ir jogar. Nem tão-pouco a violência da pedofilia, de um tio que abusa da sobrinha, do avô que aproveita uma história para deixar cair a mão perversa, da prostituição infantil. Esses horrores não podem caber-nos na ideia.
Não podemos sequer deixar de nos sentir incomodados quando uma mãe, ou um pai, perde a cabeça na rua, no café, ou em casa, e a mão voa sobre o rosto de uma criança. Quando nós o fazemos, aos nossos filhos, no limite do desespero. Quem já o fez sabe que nos dói. Tanto.
É por isso tão duro olhar para o quadro de perturbação de uma mãe que leva duas meninas, de olhar desprevenido, e, como suspeita o Ministério Público, as afoga. Diz a acusação que ela agiu com "especial censurabilidade ou perversidade". Sobre o papel do pai na tragédia, por omissão ou permissão, ainda há um manto demasiado espesso.
O que sabemos sobre Caxias é ainda muito pouco claro e carregado de contradições. O casal separou-se em novembro e ambos, pai e mãe, apresentaram, depois disso, queixas um contra o outro. A Associação de Apoio à Vítima confirmou que a queixa do pai foi apresentada primeiro, originada pelo comportamento da mulher que alegadamente dificultava o contacto com as filhas.
A mãe fez o mesmo: também se dirigiu à APAV e à Comissão de Proteção de Menores, que de imediato encaminhou o caso para o Ministério Público (como manda a lei), por haver uma queixa de abuso sexual de menor. Foram feitas perícias, que não confirmaram indícios de abusos. Inconclusivas, como são as avaliações exclusivamente clínicas em cerca de 90% dos abusos a menores. Isto, nós sabemos.
E sabemos mais. Os vários depoimentos mostram que foram ativadas respostas. Foi feito exame clínico pelo hospital Amadora-Sintra. Foi aberto inquérito, traçado um plano de proteção.
Estamos a chegar ao fim desta história. Houve, pelo menos, a habitual demora que estes passos levam. O pai não foi, neste espaço de tempo, ouvido. E o plano de proteção não chegou a ser ativado. Alguém falhou? Falha sempre. Alguém tem de ter falhado para isto acontecer. E falha sempre nas situações limite, em que não deveria ser permitido falhar. É sempre nesses momentos em que uma mãe, ou um pai, atravessa o limiar do incompreensível. E em que a teia de respostas sociais quebra. Não conseguiremos nunca perceber o estado de profundo desespero que causa tragédias como esta. Mas já devíamos ter aprendido que a proteção de famílias em risco dá outro sentido à noção de urgência. É uma corrida constante contra o tempo, a burocracia, a desumanização.
Mas uma criança é uma criança. E não há desculpas para falhar com uma criança.
