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Diante daqueles que o felicitavam pela batalha ganha aos romanos, Pirro estendeu o olhar pelo campo semeado de baixas do seu próprio exército, e soltou o desabafo que o eternizou: Mais uma vitória como esta e estou perdido.
Desde então, dizemos "vitória de Pirro" para ilustrar uma conquista demasiado penosa, coisa parecida com o acordo agora alcançado na Cimeira de Bruxelas, que dá aos sócios britânicos mais um "estatuto especial" para que estes aceitem manter-se no clube que é a União Europeia.
No final, todos se mostraram satisfeitos, o português António Costa incluído. Admitir a saída britânica (Brexit) seria uma pesada derrota europeia, num dos seus piores momentos do último meio século, que se somaria à crise dos refugiados, à deriva populista e à violação dos princípios e valores fundacionais pelos governos extremistas da Polónia e da Hungria.
Mas é alto o preço deste acordo, que cede à chantagem do primeiro-ministro britânico. Foi aprovada a sua pretensão de reduzir a imigração (também de cidadãos europeus) e introduzir um "travão de emergência", por sete anos, nos benefícios sociais para os recém-chegados. Entre estes, calcula-se que quase 40 mil são portugueses, uma vaga de qualificação superior, que terá demandado o Reino Unido nos últimos dois anos.
Limitar estes direitos destes é pôr em causa um dos pilares da União: o estado social europeu, um direito tão ou mais essencial como a livre circulação de pessoas, mercadorias ou capitais.
O Reino Unido (a City de Londres) é a praça financeira do Euro sem ter adotado a Moeda Única e sem ter gasto uma só libra nos programas de resgate que a salvaram do colapso. Beneficia dos programas do orçamento comunitário e ainda encaixa um reembolso anual, o "cheque britânico", que mais nenhum membro recebe. E não é parte do acordo de Schengen, o que significa que todos os cidadãos britânicos podem circular livremente pelo Continente sem precisar de passaporte, enquanto todos os demais europeus têm de mostrá-lo ao entrar no Reino Unido.
No final da cimeira, David Cameron felicitava-se, a si e ao seu país, por poderem agora beneficiar "do melhor dos dois mundos". Mas mal vai uma União que, depois de conformar às duas velocidades da moeda e da economia, se contenta agora com a marcha atrás na cidadania europeia, sem que o próprio Parlamento (onde deveria residir a sede da democracia) se tenha sequer pronunciado sobre este acordo. Nos próximos meses as atenções estarão focadas no referendo do sim ou não britânico à União. "Vai começar a batalha de Inglaterra", dizia António Costa. Oxalá não dê razão a Pirro.
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