Não se pode dar a palavra quando ela não pode ser honrada. Promete-se agora. Cobra-se depois. Dá-se quando se puder. Se puder. Na devolução da sobretaxa do IRS. Ou num aumento melhorado das pensões. Do ponto de vista das crenças, esta é a maior descrença do Orçamento de Estado. As outras são tudo aquilo de que já estávamos à espera. E algo mais. Mas as contas com que nos vamos remediar no próximo ano são as possíveis, numa economia anémica e sujeita aos humores que chegam da Europa, mais os acordos que foi necessário fazer à esquerda para manter o Governo.
Um exercício de equilibrismo, portanto. Prudente. Entalado entre as metas de Bruxelas e a necessidade de contentar os parceiros de Esquerda, António Costa tem margem curta para correr riscos. A proposta definitiva mostra, em absoluto, as dificuldades desse exercício, que se sintetizam com facilidade: continuamos na montanha-russa das alterações fiscais; os impostos indiretos, logo sobre o consumo (e lá se foi a aposta do Governo), predominam sobre os diretos (os salários); os partidos mais à esquerda sossegam com a distribuição da austeridade.
O Governo consegue dizer que mantém como linha prioritária a devolução de rendimentos, mas atira-os de tal modo para a segunda metade do calendário que o bolso dos portugueses vai demorar a sentir diferenças. Se é que vai sentir. A tal palavra honrada.
Renova a marca ideológica com medidas como o aumento de pensões, ao mesmo tempo que reduz o impacto global nas contas. Cria e agrava uma bateria de impostos indiretos, das munições de chumbo às bebidas açucaradas, sem deixar de poder mostrar quadros em que comprova que a carga fiscal efetiva volta a diminuir em 2017, como aconteceu em 2016. Sem dar aumentos aos funcionários públicos, dá uns cêntimos no subsídio de refeição que parecem ser qualquer coisa, mesmo sendo pouco mais do que nada.
Não é um Orçamento de crescimento, de ambição e de novidades que encham o olho. É um exercício de composição que procura manter alguma da palavra dada aos portugueses, aos partidos que suportam o Governo, à Europa.
Não há perspetivas de investimento. Nem medidas arrojadas. Nem sinais de que possa haver. E, sem isso, continuamos com pequenas doses de açúcar que adoçam a nossa sensação de que esta é uma austeridade, sim, mas que pelo menos é um bocadinho mais justa. Não está aí o diabo, mas também não saímos do purgatório.
* DIRETOR-EXECUTIVO
