"Um irmão de Rafael, jovem robusto, quando tratava de negócios na cidade de Arimino (hoje Rimini, Itália), foi atacado de febre. Tratado por qualquer forma pelos médicos, trouxeram-no a Ancona, onde, ao ser tratado, no mesmo dia em que bebeu uma purga enlouqueceu.
Chamado para o ver, no dia seguinte, consegui livrá-lo da febre com alguns remédios, embora a mania permanecesse. Para o livrar desta comecei pelo seguinte: xarope de maças, uma onça, de flor-de--orégão, de fumária, meia onça, de águas de borragem, de erva cidreira, uma onça. Clarifique-se e aromatize-se com espécies de letificante de Almançor. Simultaneamente, enquanto bebia os xaropes, mandámos aplicar às veias hemorroidárias duas sanguessugas, pelo modo já dito e usado, alimentando-o com muito boas comidas...".
Enfim, não vou continuar a reproduzir a longa Cura 64 das Centúrias de Amato Lusitano, um êxito que incluiu ainda sangria abundante com escarificação e ventosas, irrigações, electuários e conservas restabelecedoras.
Era a Medicina tradicional ocidental do século XVI.
"Ao coração fazem mal peixes sem escamas, fumo, ar infecto, e todos os legumes não descascados. Comer muitos acrumina. Nabos, cebolas e tudo o que for cheio de ar e frito. A inchação, a tristeza, as preocupações e qualquer causa que provoque a síncope. Febre contínua e terçãs verdadeiras e todo o abcesso das vias respiratórias. Excesso de estudo e muita meditação, coito frequente. Tudo o que fizer mal ao baço faz mal ao coração. Tomar banho logo a seguir às refeições e beber vinho no banho. Excesso de vigílias, exagero na comida e na bebida, pegar em objectos pesados, trabalhos difíceis e todo o serviço intolerável e o que quer que faça a alma entristecer-se, porque o coração é o princípio da vida e o termo da morte".
Transcrevo este excerto da magnífica obra "Liber De Conservanda Sanitate", talvez o primeiro tratado de medicina preventiva, escrito por Pedro Hispano, um dos mais célebres médicos da sua época, único Papa português, com o nome de João XXI, que assim elencava os fatores de risco que fariam mal ao coração.
Era a Medicina tradicional ocidental do século XIII.
Desde então, a Medicina evoluiu muito, investigou, descobriu, abandonou o que não fazia efeito e adotou as intervenções e fármacos que provaram a sua eficácia por métodos científicos. A "tradição" não foi suficiente para continuar a tratar doentes com métodos ineficazes.
Espanta, por isso, que enquanto a China adota a Medicina ocidental, científica, alguns incensem e consigam transformar em lucrativo comércio, no Ocidente, alguns métodos não comprovados da "Medicina" tradicional chinesa, de há mil e mais anos, com produtos insuficientemente testados e controlados, além de potenciais efeitos secundários graves...
Não tem lógica nenhuma (voltarei ao tema).
BASTONÁRIO DA ORDEM DOS MÉDICOS
