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No momento em que a cor púrpura ascende a cor mais unânime e partilhada pelo Mundo após a morte do genial Prince, há um assombroso tom de azul que nos reconcilia com o campo da incerteza e da improbabilidade, assim como quem destrói todas as premissas e fatalismos, devolvendo à cor do céu a cor que acompanha as nuvens. É para lá que se voa quando assistimos à forma como o Leicester se sagrou campeão.
Há um campo para lá do teatro dos sonhos. Esqueçam Old Trafford. A terra dos sonhos acontece em Stamford Bridge, casa alheia, quando Eden Hazard faz jus ao seu nome próprio e renega o seu nome de família, empatando o jogo com um golaço a sete minutos do fim que abriria as portas do bíblico jardim na casa de Jamie Vardy, goleador do Leicester travestido de anfitrião para uma festa na terra prometida. O Leicester é a mais assombrosa odisseia interna do futebol europeu a que assisti e o treinador Claudio Ranieri é o herói improvável da sua própria história, alcançando finalmente um título com significado quando bate bem perto da sexta década e meia de vida. Flashback. O treinador tinha 26 anos e cumpria uma das suas oito épocas enquanto defesa do Catanzaro, em Itália, seguramente sem se aperceber que se vivia a odisseia inglesa do Nottingham Forest de Brian Clough, em 1978, o último campeão estreante em Inglaterra. Até anteontem, dia em que o Leicester ocupou o trono.
Quando os Radiohead queimam o passado, desaparecem da internet e aparecem nas casas de cada um a cantar melodias sobre a queima das bruxas diretamente do seu espaço sideral, é o momento para dizer "pero que las hay, las hay". Pode não ser milagre ou feitiço e será muito mais engenho do que sorte. Mas só um alinhamento astral permitiria que os "foxes" de Ranieri ganhassem o campeonato inglês através de uma estocada final infligida pela equipa-criação de Mourinho. "Que las hay". Em Inglaterra, podemos então falar de novos "blues"? Assuntos de coração em tons de azul profundo ou como a expressão "bater no fundo" ganha uma nova e calorosa aceção quando dispensa a contração. Bate fundo.
O conto de fadas do Leicester é uma história de pequenos heróis numa verdadeira dimensão de equipa. Com um orçamento moderado, não é a estória de uma equipa barata, mas sim a estória de uma equipa em saldos dos últimos dias no contexto da Premier League. Nem sequer valerá a pena contar os trocos. Os traços identificativos desta equipa não são quanto custa ou quanto vale, mas antes o que é em essência. Transporte de união, solidariedade, arrojo, trabalho, companheirismo, crença, paixão e competência. Todo um processo de identificação que se deseja à volta de uma cor.
*MÚSICO E ADVOGADO