Posso tratar-te por tu, não posso? É que estamos todos apaixonados por ti. Não literalmente, mas por aquilo que tens feito por Lisboa... quero dizer... por Portugal. Ver-te sentada numa escadaria de Alfama, toda derretida com a sonoridade de uma morna, é impagável; perceber que os teus filhos correm, radiantes, pelos relvados de Sintra, e não apenas pelo relvado do Estádio da Luz, cobre-nos de satisfação; constatar, enfim, que andas hesitante sobre que faustosa propriedade comprar, só pode ser, para nós, um hino em forma de captação de investimento estrangeiro. Logo agora, que os vistos gold voltam a dar que falar, porque nos lembraram que é possível, vê lá tu, que entrasse em Portugal dinheiro dos pontas de lança do escândalo brasileiro de corrupção do Lava Jato. Totalmente surpreendente, dado o histórico desse expediente da diplomacia económica.
Madonna, se é verdade que o teu próximo álbum corre o risco... desculpa... pode ter a felicidade de colher inspiração na cultura e nas gentes de Portugal, então quero publicamente reconhecer que o meu peito é pequeno para tanto orgulho. E julgo estar a falar pelo peito dos 10 milhões de portugueses (sim, só somos dez milhões, mas isso é bom, não achas?).
Mas nem tudo são rosas, Madonna. Porque temos um hábito terrível de que já deves ter-te apercebido: nunca estamos bem com o que temos. E reunimos uma bizarria que herdámos do Afonso Henriques, o nosso primeiro rei: não valorizamos devidamente o que é nosso. Das grandes conquistas às minudências que nos preenchem os dias.
Já não rejubilamos com o facto de sermos abençoados com o calor do sol quase o ano inteiro; já reagimos com enfado sempre que nos dizem que habitamos num território que acolhe uma das gastronomias mais suculentas do planeta. Podia apresentar-te uma lista de razões do tamanho da Torre dos Clérigos (se não conheces, tens de visitar), mas julgo que já percebeste onde quero chegar (por falar nisso, já reparaste que podes chegar de auto-estrada a quase todos os cantos da tua nova nação?).
Por isso, peço-te que entendas a quase insana excitação com que foste recebida e o pendor manifestamente provinciano com que é encarado cada um dos teus passos. Como tendemos a relativizar as nossas qualidades, soa-nos sempre estranho (para não dizer a falso) que haja criaturas estratosféricas como tu que optem conscientemente por Portugal e pelos portugueses. Não, não estou a ser melodramático: apesar de todos os nossos defeitos, obrigado por nos lembrares das coisas de que estamos sempre a esquecer-nos. Quando te cansares disto, prometo que cantaremos em coro o "don"t cry for me Portugal".
*Subdiretor
