Juntássemos os braços todos do Mundo, e entregássemos a esses braços uma cordilheira de livros forrados de adjetivos, que mesmo assim não chegavam para descrever com rigor o rebentamento de felicidade que inundou Portugal e o Mundo após a conquista do Europeu de futebol. Há coisas que não se explicam, porque os episódios de alienação que se servem das emoções fortes não obedecem à lógica. Ficam gravados na pele de cada um com uma força, um cheiro e uma marca distintos. Ninguém, ou quase ninguém, poderá dizer, daqui a 20 anos, que não se recorda do que estava a fazer (deve ser lido sofrer) na noite de 10 de julho de 2016.
A taça não vai fazer aumentar a nossa produtividade no trabalho. Não fará, certamente, inflacionar os nossos pálidos níveis de civismo. Não vai tirar a corda do pescoço do défice púbico, não apagará, como por magia, o exército de portugueses que combatem com pouco mais de 400 euros por mês. E não fez, como era esperado, Bruxelas mudar de opinião sobre o corretivo de que Portugal precisava para não ter ideias peregrinas sobre a forma como deve gerir as contas públicas. O cachecol da seleção que Mário Centeno levou ao Eurogrupo foi apenas divertido.
Nem a essência do que somos enquanto país se esgota na fileira de maleitas que carregamos quase por tradição, nem se modifica estruturalmente às mãos gloriosas de um troféu desportivo. As vitórias coletivas não servem para isso. Servem para nos aproximar, para reforçar a nossa identidade, para criar, no fundo, um certo ideal de supremacia. Ainda que confinado ao futebol, por isso ilusório no que se refere àquilo a que alguns designam como "o que verdadeiramente importa".
Mas o que verdadeiramente importa não tem nada a ver com futebol. As taças não servem para nos transformarmos no que não somos. As taças não desenham uma cronologia filosófica no mapa do nosso desenvolvimento: a. T. (antes da Taça) e d. T. (depois da Taça).
Por isso, desistam os que buscam neste extraordinário feito desportivo do país uma razão para o deitar num divã com soro da verdade. Portugal Campeão Europeu de Futebol quer dizer apenas Portugal Campeão Europeu de Futebol. Calma que o "apenas" é um "sobretudo", é um "maravilhosamente", é um "deixem-nos aproveitar até ficarmos enjoados com o doce sabor da alienação".
O romance é bom demais para ser verdade, eu sei. Inclui personagens como Ronaldo, Fernando Santos e Éder, que se movem como monstros literários, heróicos porque sim, frágeis porque sim também. Mas não se sintam constrangidos quando enchem a boca para gritar "C-A-M-P-E-Õ-E-S!" Um povo que não festeja com exageros é um povo perdedor. E este jogo nós ganhámos. Não foram 11 contra 11. Foram 11 ao lado de 11 milhões.
* EDITOR-EXECUTIVO-ADJUNTO
