A lição Donald Trump foi como ferro em brasa marcado na pele. O triunfo do populista impulsivo era tão improvável que se materializou. E 100 dias depois de o Mundo se ter contorcido de dores, o Mundo não acabou. É um Mundo que ainda se espanta com algumas das proclamações grotescas do presidente norte-americano, mas que, para o bem e para o mal, sobreviveu aos atropelos desta ratoeira da História. Porém, e já o escrevi em tempos, a normalização do radicalismo é a mais perigosa e bem-sucedida estratégia para ele se afirmar. Em particular num momento em que, na Europa e demais latitudes do chamado Mundo civilizado, os partidos tradicionais continuam a tatear de bússola na mão à procura de orientação e sentido estratégico.
Em França, esta normalização do que não é normal agudizou-se. A tal ponto que, mais à esquerda, há quem esteja assustado com a letargia e resignação instaladas entre uma parte significativa do eleitorado, para quem a Frente Nacional é uma espécie de "doença grave" com que se aprendeu a lidar. Há 15 anos, por ocasião do 1.º de Maio, o pai de Marine Le Pen, Jean-Marie Le Pen, motivou grandiosas manifestações de repulsa ao seu antissemitismo. Agora, mais de uma década volvida, a sua herdeira de sangue nem de perto nem de longe causou idêntico sobressalto cívico. Em 2002, o pai obteve 18% dos votos na segunda volta das presidenciais francesas. Em 2017, a filha roça a fasquia dos 40% nas sondagens.
A escolha é óbvia: é entre o futuro da Europa e o fim da Europa. É entre uma candidatura (de Emmanuel Macron) que defende a continuidade da França no projeto comunitário, que o faz acreditando na moeda única, nos valores da integração e no multiculturalismo; é uma escolha, dizia, entre essa Europa de todos os defeitos mas ainda de tantas virtudes, e uma candidata de extrema-direita que é uma revisionista do Holocausto e que tem como grandes referências europeias Viktor Orbán (na Hungria) e Jaroslaw Kaczynski (na Polónia). Que quer minar o entendimento europeu (ainda que taticamente tenha amaciado o discurso), que hostiliza os estrangeiros, que preconiza uma economia assente num protecionismo ferrenho que tem tudo para correr mal mas que é música para os ouvidos dos operários desamparados pela economia de mercado. Apesar disto, apesar de os sinais de alarme se ouvirem em todo o continente, a extrema-esquerda de Jean-Luc Mélenchon ainda está com dúvidas sobre quem deve apoiar. Depois não se queixem.
"Porque tem de ser todos os dias não", titulava, ontem, a propósito, o jornal francês "Libération". Um "não" vermelho e garrafal, interagindo com uma imagem em declínio de Marine Le Pen. Para que não restem dúvidas sobre de que lado devem estar os franceses. E nós. E todos os que acreditam na Europa. Não é non.
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