Um casamento de conveniência pode ser maquilhado todos os dias com calorosas declarações públicas de amor, afagos sentidos no ego e uma capa impermeável de respeitabilidade mútua. As aparências sobrevivem a tudo. Menos à verdade. E a verdade provou ser como o azeite na relação sinuosa entre Rui Moreira e o Partido Socialista. Por muito que um e outro gostassem de caminhar lado a lado, de mãos dadas, em direção ao pôr do sol, acabaram encandeados pela convicção (não comprovada) de que tudo iria acabar bem porque estava a correr bem.
Vejamos: apesar da estratégia que o elegeu, o presidente da Câmara do Porto nunca abdicou verdadeiramente da muleta partidária que, durante quatro anos, o ajudou a manter a estabilidade no Executivo municipal, num arriscado exercício de equilibrismo. De um lado, a aura de independência que o guindou à liderança; do outro, a necessidade de gerir, para poder governar, uma maioria não absoluta.
Rui Moreira foi ambíguo o suficiente para não forçar uma rutura precoce demais e calculista o bastante para não ser confrontado com um vazio de poder que não lhe deixasse margem de manobra. Foi, em suma, sagaz. Na verdade, teve apenas e sempre um único amor: o movimento que o elegeu. Os socialistas foram apenas a cola útil que cimentou o matrimónio perante o olhar vigilante dos desdenhosos.
O PS que agora bate no peito e se indigna com a traição inopinada de Rui Moreira não pode agir como se já não imaginasse que este casamento contranatura podia redundar em divórcio. Particularmente porque conhecia a dimensão do risco que corria ao prescindir de um discurso próprio e de um projeto distinto na segunda cidade mais relevante do país em termos eleitorais. Os socialistas sempre souberam que eram a parte mais fraca do acordo. Mas deu-lhes jeito a ambiguidade. Serão, por isso, os maiores castigados pela confiança cega numa amizade e lealdade pessoais entre dois homens (Rui Moreira e Manuel Pizarro) que fazem parte de dois mundos políticos que continuam a preferir combater-se do que a complementar-se.
E, no entanto, o mesmo Rui Moreira que culpou os socialistas de Lisboa pelo fim do casamento no Porto vem agora reconhecer que não fecha a porta a um acordo futuro, caso a "geografia eleitoral" o justifique. Ou seja, caso precise.
E essa é a maior ingenuidade do PS ao longo deste processo: a de não ter tido a noção de que Rui Moreira sempre quis ser reeleito presidente da Câmara do Porto como independente. Sem o PS. Apesar do PS. E não era difícil tê-lo percebido: há quatro anos que Rui Moreira anda a espalhar aos quatro ventos que os partidos não aprenderam nada com a sua eleição. Confirma-se.
* SUBDIRETOR
