Quando cortaram a fita cintilante do túnel do Marão, há pouco mais de um ano, o embrulho era perfeito: a maior infraestrutura rodoviária do género na Península Ibérica nascia ao fim de anos de derrapagens, burocracias e demais portugalidades. Era, simbolicamente, uma honrada tentativa de saldar as dívidas do centralismo para com um território longínquo e etnográfico que, doravante, ficaria um pouco mais próximo da urbanidade. "Lisboa não esquece Trás-os-Montes" podia muito bem ter sido a frase-bandeira escolhida para emoldurar as duas bocas de entrada da via que liga Amarante a Vila Real.
De cada vez que o poder central estende a mão caridosa ao restante território, perpassa esta ideia de compensação fingida. Porque, na verdade, por cada passo que Lisboa dá no caminho da descentralização, ergue dez novos muros em torno da centralização. Com uma mão, o Estado empreende uma agenda descentralizadora, atirando todas as dores de cabeça para o colo dos autarcas; com outra, drena tudo o que é investimento vitaminado na direção de uma região obesa. Autofagia, portanto.
É uma inquietação com teias de aranha: por que carga de água um país minúsculo como Portugal continua a canalizar recursos de todo o tipo para a capital, num exercício nefasto típico das nações subdesenvolvidas? E não me venham com a ladainha do costume. Isto não são os parolos do Norte a protestar outra vez. Com a TAP e o Aeroporto do Porto foi o que se viu; com a Eurovisão é o que se vai ver; com a organização de 80% dos grandes eventos para 2017 em Lisboa é o que está à vista; e com a candidatura da capital à sede da Agência Europeia do Medicamento é o que está a confirmar-se, por mais paninhos quentes que António Costa queira agora colocar. Esta fúria aglutinadora não tem paralelo na União Europeia.
Mas saibamos condescender: Lisboa recebe tudo porque só Lisboa pode receber. É uma patranha sofisticada sob a forma de um powerpoint: só Lisboa tem hotéis, só Lisboa tem bons acessos, só Lisboa tem restaurantes, só Lisboa tem dimensão. Mas os parolos, na verdade, não somos nós, os excluídos do Porto, do Minho, de Trás-os-Montes, das Beiras, de Aveiro ou de Faro. Os parolos são aqueles cuja cegueira não lhes permite enxergar para lá do umbigo. Os parolos são todos aqueles que ousam reduzir o país e os portugueses aos interesses de uma geografia. A um modelo de desenvolvimento que só nos torna mais pequenos.
Numa imagem, é quase como se as centenas de quilómetros que perfazem o território fossem um imenso túnel que vai dar sempre ao mesmo lugar. E isto não é uma metáfora: de todas as vezes que há um acidente no túnel do Marão - como houve, há dias -, o alerta é dado por alguém sentado numa sala a 400 quilómetros de distância. Tudo porque a Infraestruturas de Portugal desviou o centro de controlo e vigilância para Almada. Numa "lógica de gestão e otimização de recursos", fomos capazes de centralizar um projeto descentralizador. Por isso, da próxima vez que lhe disserem que Lisboa é a cidade da luz, lembre-se do tamanho do túnel.
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