Um empresário que gera emprego só pode merecer o nosso ruidoso aplauso. Um empresário que cria riqueza só pode ter em nós admiradores embevecidos. E um empresário que junta a isto tudo a responsabilidade social, bem, quase não há palavras no dicionário para descrever o júbilo que nos invade por podermos respirar o mesmo ar dessa espécie de Deus na terra do mercado laboral. De resto, a minha esperança é a de que, num futuro não muito distante, as impressoras tridimensionais tenham a capacidade de produzir em série estes seres humanos ímpares.
Alexandre Soares dos Santos, o patrono do Pingo Doce, podia ser a estátua viva ao espírito desta maravilhosa trilogia (isto, naturalmente, se descontarmos o pequeno, quase insignificante, detalhe de ter mudado a sede fiscal das empresas para a Holanda porque Portugal não dá o devido valor à iniciativa privada). O homem cria emprego, gera riqueza (esqueçam a parte fiscal) e até recebe comendas do presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa por ser um "servidor da comunidade".
Aquele que é um dos empresários mais abonados do país, com uma fortuna pessoal avaliada em 2,4 mil milhões de euros, voltou a saltar para a ribalta mediática, ainda que indiretamente, porque o grupo Pingo Doce, de que é o rosto mais mediático (a gestão da Jerónimo Martins está agora nas mãos do filho, Pedro Soares dos Santos), abriu vagas para os filhos dos trabalhadores poderem estagiar por 500 euros por mês, na região do Algarve, durante julho e agosto. Não vou discutir a legalidade destes estágios, de que se encarregará a Autoridade das Condições do Trabalho. O que verdadeiramente me importa é o facto de, segundo a empresa, mesmo por estes valores, o número de interessados ter sido em dobro do número de vagas (170 candidatos para 85 lugares).
O Pingo Doce justifica a iniciativa com o desejo manifestado pelos trabalhadores de providenciar aos filhos um contacto com a realidade do mundo laboral. O que, muito honestamente, imagino poder ser enriquecedor para eles e tenho a certeza de que será tremendamente lucrativo para a empresa, que assegura tarefas básicas em períodos que são sempre críticos, abdicando da necessidade de garantir um vínculo aos jovens em formação.
Este é o Portugal real, por muito que haja quem se coce desalmadamente de todas as vezes que se confronta com ele. Um país em que, em apenas quatro anos, os contratos de trabalho iniciados com valor do salário mínimo nacional subiram de 23,1% para 40,7%. Um país onde a proporção do número de trabalhadores por conta de outrem que aufere o salário legal mais baixo aumenta ano após ano. Um país em que, fazendo jus ao engenhoso slogan do Pingo Doce, sabe bem pagar tão pouco.
*SUBDIRETOR
