Esqueçam a ideologia, esqueçam os preconceitos, esqueçam a nossa por vezes inquebrantável convicção de que as coisas terríveis que conseguimos antever também conseguimos evitar. Façam, apenas, um exercício honesto e descomplexado com base no que temos visto e lido da campanha para as eleições presidenciais nos Estados Unidos da América (EUA): imaginem viver num Mundo onde Donald Trump pudesse tomar decisões que influenciassem diretamente a economia e a segurança globais. Imaginem que o caldo do medo de que se alimenta o discurso republicano vigente encarna, em novembro, nesse homem, num homem que gere as relações humanas e diplomáticas com o mesmo nível de sofisticação usado por Chuck Norris nos seus filmes de gangsters.
O contexto temporal ajuda-nos a perceber a utilidade deste exercício e é, sobretudo, fundamental para não nos deixarmos enredar na teia desculpabilizante e ingénua dos que classificam a caminhada triunfal deste mitómano como uma excrescência do sistema democrático. Já passamos há muito essa fase.
Em março, ninguém dava um tostão furado pelo milionário narcisista que se bronzeia no solário e coleciona mulheres submissas. Donald era o pato-bravo, o provocador antissistema, o arruaceiro da família que diz em público o que muitos pensam mas não ousam verbalizar. O Mundo olhava para ele como uma caricatura. Donald manuseou esse preconceito em proveito próprio. Ei-lo, agora: a rir-se de quem o desenhou a traço fino.
Quatro meses volvidos, ganhou o partido e não só não amaciou o tom xenófobo, securitário e nacionalista, como encontrou nos mais recentes ataques terroristas que sobressaltam a Europa um dínamo natural para enfatizar as virtudes de uma América que não se verga e manda no Mundo com um dedo nervoso no gatilho. Já não são só os mexicanos, os gays e os muçulmanos. Trump também quer dificultar a entrada de franceses nos EUA. Como uma forma de punição por serem simultaneamente "culpados" pelo multiculturalismo e vítimas de sucessivas e nojentas ações terroristas. É desta ligeireza de raciocínio que se serve a narrativa deste demagogo. A conjuntura internacional faz o resto.
A fauna que arrasta o candidato republicano no andor saliva por justiça e repete a pergunta que cada vez mais americanos fazem: estamos mais seguros com Hillary Clinton ou com Donald Trump? As sondagens mais recentes mostram que a América, "land of the free and home of the brave", parece estar disposta a eleger um louco. É bom que levemos Trump a sério.
*EDITOR-EXECUTIVO-ADJUNTO
