Quando olhamos para a realidade demográfica de Barcelona (cerca de um milhão e meio de habitantes) e concluímos que, este ano, são esperados dez vezes mais turistas, percebemos que há uma notícia boa e uma notícia má. Quando ouvimos os desabafos de moradores catalães impedidos de entrar no mercado La Boqueria, tamanha é a torrente de câmaras fotográficas e selfie-sticks, admitimos que há um problema. Quando lemos "eles não compram nada, mas tiram fotos a postais de 30 cêntimos com iphones de mil euros", estamos certos de que há distorções na normalidade. Mas quando há grupos radicais que organizam ataques cirúrgicos a turistas e a hotéis, tentando, pela violência, amedrontá-los, minando, dessa forma, os alicerces de uma indústria que gera emprego e riqueza, somos forçados a reconhecer que o problema, afinal, tem duas caras.
Espanha vive dias dourados. O turismo representa 11% do PIB e está a crescer 3% ao ano. Só nos primeiros seis meses de 2017, os turistas gastaram 38 mil milhões de euros (cerca de metade do valor pedido por Portugal ao FMI). Naturalmente que não podemos dissociar estes movimentos extremistas da crispação política vivida na Catalunha, região que tenta a todo o custo garantir a independência. Mas esta turismofobia alargou-se, entre outras, ao País Basco, às Baleares e a Valência. O mesmo problema tem tido, ainda assim, diferentes soluções. Nas Baleares, por exemplo, o governo regional aprovou uma lei que obriga os grandes proprietários de imóveis a ceder as casas vazias há mais de dois anos ao mercado habitacional, a troco de uma renda pública. É um caminho.
Entre nós, Porto e Lisboa sentem há algum tempo as dores deste parto natural. Com contrações, todavia, menos audíveis. Passear pelas duas cidades, a qualquer dia da semana, torna evidente a transfiguração a que foram sujeitas. Se é verdade que os cidadãos não devem sentir-se estranhos na sua cidade, também o é que ninguém minimamente sério pode desejar recuar no tempo, desperdiçando o investimento que foi feito e o que nos chega.
Olhar para o que está a acontecer em Espanha devia obrigar-nos a refletir sobre o que queremos. Por mim, não vejo outra saída que não seja regular o mercado do arrendamento ilegal; apostar na diversificação de outros destinos; criar condições que facilitem a habitação própria e obrigar os negócios do turismo a pagar mais taxas que devolvam à cidade o esforço que lhes é pedido. Ao mandarmos embora os turistas, não corremos o risco de matar a galinha dos ovos de ouro. Podemos muito bem estar a dizimar a capoeira inteira. Além do mais, não é o turista que define as políticas de turismo e de urbanismo. Ele só delas quer beneficiar. Canalizar a nossa ira na direção de quem paga para estar entre nós não é só ineficaz. É tremendamente injusto.
*SUBDIRETOR
