Não tenho pinta de Zandinga e muito menos as fontes de Marques Mendes. Mas, no passado dia 20 de novembro, publiquei aqui no JN um texto intitulado "Usucapião" onde descrevia a forma como esta figura era muitas vezes utilizada para facilitar negócios ilegítimos geradores de grandes ganhos aos que se servem dela para se tornarem proprietários de imóveis (normalmente públicos) que não lhes pertencem.
Terminava esse texto com um desafio: "Averiguem-se estas situações de usucapião, designadamente junto a grandes obras públicas, em que muitos terrenos foram expropriados ou adquiridos e que apenas serviram para permitir a construção dessa obra, ficando, depois, desocupados. Muitas surpresas surgiriam!".
E eis que uma surpresa surgiu! Esta semana o jornal "Público" denunciou que, afinal, parte significativa de uma parcela que a empresa da família do presidente da Câmara do Porto (Selminho) declara como sua - e relativamente à qual reivindica capacidade construtiva ou indemnização do Município - afinal pertence... à Câmara Municipal do Porto, que a expropriou nos idos anos 50!
Naturalmente que a Selminho dirá que não tem culpa disso. Que comprou o terreno com boa-fé a um casal que apresentou registos da sua propriedade. Casal esse que recorreu à figura da usucapião para registar a propriedade desse terreno. Curiosamente esse registo foi feito pouco depois de terem sido aprovadas "Normas provisórias" que davam capacidade construtiva a esse terreno... Tal como é curioso o facto de, apenas dois meses passados desse registo, os proprietários terem vendido o terreno à Selminho por um valor que ficou muito aquém daquele que seria previsível tendo em conta o reconhecimento da sua capacidade construtiva...
Mas, perante esta descoberta (honra seja feita aos funcionários municipais que tiveram o zelo e a coragem de o constatarem por escrito!), aquilo que se justificaria era a Câmara, de imediato, requerer a nulidade da escritura que, por recurso a usucapião, atribuiu a propriedade do terreno ao tal casal. O que significa que a Selminho "deixa" de ser proprietária do mesmo, dado que este é municipal. Injusto para a Selminho? Talvez. Mas terá sempre o direito de requerer ser indemnizada por quem lhe vendeu o que não lhe pertencia (e cá estarei eu para ver a forma como esse processo se vai desenvolver, na expectativa de mais coisas se ficarem a conhecer). Mas, em termos práticos, e passados 6 meses, a Câmara ainda nada fez (para além de pedir pareceres jurídicos externos...). Se o alegado proprietário fosse o Zé e não uma empresa da família do seu presidente, a Câmara atuaria da mesma forma?
Sendo lamentável que, mais uma vez, apenas o "petit comité" de Moreira soubesse do assunto! O que é ainda mais vergonhoso quando, a 22 de fevereiro, o diretor dos serviços jurídicos da Câmara informou a Câmara e a Assembleia de um outro assunto relacionado com a Selminho, escondendo esta questão, maior, de o terreno estar, afinal, registado em nome da Câmara! O que faz com que tudo isto cheire, efetivamente, cada vez pior...
ENGENHEIRO
