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Candidatura luso-galaica a património da Humanidade
Proposta apresentada pela Galiza e Norte de Portugal à UNESCO é tornada pública hoje, no Porto Cultura e tradições comuns constituem acervo imaterial único na Europa e em risco de desaparecimento
Acandidatura a Património Imaterial da Humanidade da "Tradição oral galaico-portuguesa", apresentada publicamente, hoje, no Porto, é a primeira iniciativa multinacional apresentada por dois países europeus à UNESCO. Em causa estão "as raízes culturais comuns entre a Galiza e o Norte de Portugal no que se refere à simbologia e apropriação do meio natural", como adiantou, ao JN, Álvaro Campêlo, o antropólogo responsável pela elaboração científica da proposta.
Segundo a UNESCO, património imaterial é "o conjunto de formas da cultura tradicional e popular ou folclórica (...) que se transmitem oralmente ou mediante gestos e modificam-se com o decorrer do tempo através de um processo de recriação colectiva. Incluem-se nelas as tradições orais, os costumes, as línguas, a música, os bailes, os rituais, as festas, a medicina tradicional e farmacêutica, as artes culinárias e todas as habilidades especiais relacionadas com os aspectos materiais da cultura, tais como as ferramentas e o habitat."
Mais concretamente, esta candidatura abrange as regueifas ou cantares ao desafio, lendas, contos, cantigas, romances, adivinhas, formas de cultura ligadas ao meio marítimo, as particularidades da cultura agrária, a actividade artesanal, festas tradicionais e sistemas linguísticos comuns.
Para João Moura Sá, presidente da Comunidade de Trabalho da Galiza - Norte de Portugal e da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regio- nal do Norte, a proposta - que concorre à 3ª proclamação das Obras-Mestras do Património Imaterial prevista para Julho - "constitui uma oportunidade única para assegurar a salvaguarda do imenso acervo vivo da cultura tradicional da euro-região, mas também a sua promoção ".
Aliás, dois dos requisitos necessários para a atribuição do título são, precisamente, o facto de se tratar de um património ainda vivo e em risco de desaparecimento. "As alterações demográficas e sociais" contribuem, segundo Álvaro Campêlo, para a perda, designada- mente, através do "envelhecimento da povoação, mais acentuado no mundo rural, da desertificação dessas áreas e da consequente cultura urbana, que não privilegia a cultura tradicional". Curiosamente, "neste momento, na Galiza, as regueifas encontram-se em vias de extinção, enquanto que, no Norte de Portugal vivem uma fase pujante", acrescenta o antropólogo. Por outro lado, "a narração de lendas está a perder-se no território nacional, mas é alvo do investimento de jovens actores galegos que as protagonizam em locais como bares, por exemplo".
Recorde-se que a iniciativa partiu da acção da associação cultural e pedagógica "Pontes... nas ondas" junto das escolas de ambos os países.
"Governo
não apoiou candidatura"
"Ao contrário das instituições galegas, Portugal não recebeu, até hoje, qualquer apoio por parte do Estado para a elaboração da candidatura", afirma Álvaro Câmpelo. O antropólogo deposita esperança nas consequências da apresentação pública que decorrerá, hoje, no Porto,na presença do secretário de Estado dos Bens Culturais, José Amaral Lopes; do ministro das Cidades, Administração Local, Habitação e Desenvolvimento Regional, José Luís Arnaut e do presidente do Governo Autónomo da Galiza, Manuel Fraga Iribarne. O JN contactou o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a comissão da UNESCO em Portugal, mas não obteu quaisquer esclarecimentos. Além do prejuízo particular dos que se empenharam na candidatura, em causa está ainda o contributo português para a realização de uma exposição itinerante, disse Álvaro Campêlo, que considera que o processo poderá "ultrapassar barreiras administrativas e fomentar projectos futuros comuns".