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Não será a primeira vez que Vasco Graça Moura é alvo de uma homenagem no Porto, cidade onde nasceu há 65 anos. O tributo que a Feira do Livro realiza hoje, às 18 horas, reveste-se, porém, de um significado que o próprio considera especial, por ter lugar "num acontecimento tão importante". Avesso à regionalização, o autor contrapõe a ideia da descentralização de poderes e autonomias
Os amigos e os inimigos convergem num ponto Vasco Graça Moura possui uma capacidade lendária de trabalho, bem evidente nos quase 100 títulos publicados e numa actividade pública constante.
Em trânsito permanente entre Bruxelas, Lisboa e o Porto, o eurodeputado, poeta, romancista, tradutor e cronista só lamenta não dispor de mais tempo para dedicar à família e aos amigos.
Jornal de Notícias| Pertence à casta de personalidades que, tendo nascido no Porto, construíram a carreira noutros locais. É coincidência ou será sinal do centralismo que ainda hoje caracteriza o país?
Vasco Graça Moura | Saí do Porto há perto de 30 anos, por razões profissionais a RTP, primeiro, e a Imprensa Nacional Casa da Moeda depois. Mas não me fixei em Lisboa para exercer a minha actividade de escritor...
A visão universalista que foi adquirindo impede-o de ter uma relação de bairrismo exacerbado em relação ao Porto?
Detesto todos os bairrismos exacerbados. São "patrioteirismos" à escala local e, regra geral, traduzem complexos de inferioridade e ressentimentos. Mas reivindico aspectos relacionados com uma identidade ligada à terra em que nasci e cresci.
A perda de protagonismo económico do Porto e da região Norte é um assunto na ordem do dia. A regionalização poderá ser a derradeira hipótese de salvação?
Acredito na descentralização, mas não acredito na regionalização. O nosso país, no seu todo, tem a dimensão correspondente a uma região média europeia. O caso dos Açores e da Madeira é muito especial, pela geografia e pela história. Não podemos correr o risco de perder uma coesão nacional que se diluiria se houvesse regionalização.
É frequente apontarem-lhe a contradição entre o escritor tolerante e o político que defende, com um ardor nem sempre explicável, os seus ideais. Como vê os reparos?
Costumo encará-los com bonomia e dizer que não tenho heterónimos. São áreas diferentes da minha intervenção corrente.
Assume a sua veia polemista?
Dá-me bastante prazer. Lembra-me os tempos em que advogava. E corresponde a uma tradição da nossa cultura.
Nunca sentiu que as múltiplas ocupações públicas o afastavam mais tempo do que seria desejável de paixões como a família, os amigos, os livros?
Sinto isso todos os dias, mas já me vou habituando...
A degradação do uso da Língua Portuguesa é, infelizmente, um caminho sem retorno?
Não podemos partir do princípio de que é irreversível. Mesmo que muitas iniciativas estejam condenadas ao falhanço, é preciso confiar em que algumas darão resultado. É uma luta de que não desisto.
É impossível falar da sua obra sem fazer alusão ao carácter multifacetado. O poeta não pode ser dissociado do romancista, tradutor, ensaísta ou cronista?
O que escrevo corresponde àquilo que tenho necessidade de exprimir no momento em que o faço, mas creio que essa variedade de práticas se reconduz a uma certa unidade de maneira de ser.
É a disciplina que ajuda a explicar a sua abundantíssima produção literária ou, como explica num poema, "ao fim de tudo, é uma questão de técnica e de melancolia"?
A disciplina é uma maneira de "chegar a". Com a vida que tenho, torna-se essencial para poder fazer o que quero fazer.
Concorda que, com o decorrer dos anos, a sua poesia tem adquirido um carácter mais confessional e realista, em vez do tom mais contido no início?
Toda a escrita é, de algum modo, autobiográfica, na medida em que se reporta a coisas que "experimentamos", mesmo que só imaginariamente ou simuladamente. É natural que tenha adquirido mais agilidade e mais segurança com o correr dos anos. E embora isso já acontecesse, aqui e ali, nos primeiros livros, passei a tomar mais os clássicos, não propriamente como influência, mas como referência.
Com que se emociona hoje alguém que já se definiu como ser algo "frio e descritivo"?
Essa nota envolve uma comparação, feita num poema, com dois outros autores e os seus estilos... Como ser humano, não me sinto diferente dos outros na minha capacidade de me emocionar.
Por mais abundante que seja a produção literária, as obras que transitam para o futuro são escassas. Que livros seus poderão resistir ao tempo?
Nunca sabemos se alguém nos lerá no futuro e é má receita pretender "escrever para o futuro". O tempo e a sociedade é que fazem as filtragens.
