É uma das liturgias da política, mesmo não sendo a mais importante. Bem mais revelador do que o debate sobre o Estado da Nação da próxima quinta-feira é a discussão do Orçamento do Estado, a partir de setembro. Alguma utilidade terá ouvir os balanços, o da maioria e o das oposições, mas serão, como sempre, retratos de um país a preto ou a branco, sem zonas cinzentas, e mais ainda agora em que a norma passou a ser a de cada um disparar a partir da sua trincheira.
Este ano, a liturgia adquire interesse acrescido porque encerra um ano político (sessão legislativa) surpreendente, pela instabilidade e desgaste acelerado de uma maioria absoluta. Um Governo que, por manifestas falhas de coordenação, erros grosseiros na escolha do elenco (nalguns casos gente investigada ou salpicada por crimes graves), ou gestão política incompetente, esteve quase a implodir.
No debate do Estado da Nação quem estará na mira, ao contrário das comissões de inquérito, ou dos despachos do Ministério Público, não serão ministros, secretários de Estado, deputados ou assessores. Quem tem de responder pelos sucessos e fragilidades é o primeiro-ministro. E do deve e haver do debate alguma coisa se conseguirá perceber sobre a sua capacidade de injetar alguma confiança a uma população descrente dos políticos e das políticas.
Não foi coincidência que o ministro das Finanças tenha saído a terreiro, por estes dias, a explicar a importância de ter boas contas, para poupar as gerações futuras ao peso de uma dívida pública insustentável. As contas estarão certas, mas Medina só valorizou uma parte do relato, passando por cima do facto de as contas serem boas por causa da inflação (disparam as receitas do Estado com impostos sobre o trabalho e sobre o consumo de bens e serviços). E os cidadãos até podem não perceber que a inflação engorda os cofres públicos, mas sentem no bolso que lhes destrói o orçamento familiar.
Sobra para António Costa uma explicação, se alguém a pedir, e se ele se der ao trabalho de a dar: como garantir as boas contas do país sem empobrecer os que lhe dão forma e conteúdo.

