Corpo do artigo
Caro João, decidi enviar-lhe esta mensagem. Não apenas para si, mas para aquilo que traz de peso, o apelido do seu avô e do seu pai, a marca de humanismo da sua mãe, o que eles fizeram pela convicção no valor da liberdade, do sonho, da proteção dos mais frágeis. Na expulsão daquelas famílias no bairro do Talude, o que mais me chocou não foi a postura beligerante de um presidente da câmara que me juram ser colecionador de sabres. Não, de todo. O que me ofendeu foi aquilo que o senhor disse.
Estar ao lado de Leão, adjetivar sobre os que acham errado o que fez, dizer que o autarca “socialista” está a sofrer bullying, é equivalente a Pinto da Costa ter confessado, antes da morte, que era benfiquista desde pequenino. Viu mesmo aquelas imagens? Aquela mulher deitada no chão de terra batida? Aquelas crianças que já não sabem como sorrir, aquelas mães que um dia tiveram a esperança de uma nova vida? Ainda se comove ou apenas chora nos filmes?
Acredito que não podem nascer bairros clandestinos, que as autarquias e governos têm de agir em conformidade, mas não se trata disso, João. O que distingue as pessoas, o que pensam e são, é o modo como o fazem, a forma como são capazes de equilibrar o que precisa de ser feito com o respeito pelas pessoas, sobretudo quando são vulneráveis. Vê-lo a si, filho de Mário Soares e Maria Barroso, a defender a humilhação de seres humanos cujo pecado é o da pobreza mais funda, é uma nódoa que nunca lhe sairá de uma camisa branca que dificilmente conseguirá trocar em vida.