Perante o ódio, diagnosticado fora do circuito das metáforas da arte ou criação, não podemos transigir ou usar meias-medidas, meias-tintas, continuarmos na complacência que temos tido. O ódio trata-se como uma doença ou como um crime, trata-se ou resolve-se convocando a medicina ou o sistema penal. As consequências da percepção de insegurança no país, particularmente no Porto, Lisboa ou Setúbal, são alimentadas por uma novela que não respeita números, não respeita ciência, não carece de factos para fazer vingar narrativas. O maior perigo não aparece na realidade, advém porque a mentira fica à solta, impune, enquanto o discurso criminoso de ódio leva a sua avante. Que alguns responsáveis políticos não o queiram perceber, faz parte da agenda. Que outros alinhem no discurso, pela adesão a algumas tácticas infelizes e populistas, é francamente grave. Se os partidos do sistema não percebem as manobras de quem o quer fazer implodir, sucumbem os guardiões da democracia.
O discurso de Pedro Nuno Santos aparece infeliz, mal-entendido e no pior “timing” possível. Como flecha saída da polémica do Martim Moniz, o Partido Socialista (como aliás toda a Esquerda) não pode deixar de falar das questões securitárias ou da imigração e faz bem em apressar um discurso sólido e intransigente sobre os temas de que a demagogia populista da extrema-direita faz bandeira, não os deixando cair nas mãos da mentira que tudo arrasta. Infelizmente, Pedro Nuno Santos foi dúbio. Tão dúbio como Luís Montenegro na apreciação à operação policial no Martim Moniz. E essa falta de chamada à clareza não traz votos nem ideias novas ao PS. Entrega-o ao que é indistinto e, pior do que tudo, à dissensão interna num momento em que se percebe que o toque a reunir para as autárquicas é essencial para um ânimo que tarda a instalar-se na liderança socialista.
As críticas de muitos quadrantes do PS não se prendem com a necessidade de concretizar um discurso que combata o paradoxo de André Ventura ser o líder partidário com maior rejeição na sociedade portuguesa e, em simultâneo, um dos mais sérios candidatos a uma segunda volta presidencial contra o almirante Gouveia e Melo. Mas os indefectíveis não serão doutrináveis pela razão. O discurso de ódio relativo à associação globalmente abusiva entre os imigrantes e a insegurança só pode ter uma resposta: a da intransigente punição em sede da justiça. Em nome de um simulacro de liberdade de expressão, está a destruir-se a liberdade em plena democracia. Quando Pedro Nuno Santos alinha na lógica do perigo do “efeito chamada” da manifestação de interesses, não pode desconhecer que esse é um dos alfinetes venenosos da desinformação, uma nódoa que agora terá dificuldade em apagar. Quando tanto se fala de “aculturação”, parece ser nos partidos do bloco central que o “efeito chamada” da extrema-direita mais colhe.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia

