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Parecemos todos muito surpreendidos com que três adolescentes se sintam no direito de violar uma menor, filmar tudo e postar nas suas redes sociais. Porém, por muito escabroso que tudo isto possa parecer, acho mais do que natural que isto aconteça num país em que a violência contra as mulheres é totalmente normalizada e tem raízes culturais profundas.
Estes agressores foram forjados pela nossa cultura misógina, a mesma que faz com que a violência doméstica seja o crime mais registado no nosso país, ano após ano, apesar de não entrar nas contas do RASI como “crime violento”. A mesma que normaliza a condenação a pena suspensa da maioria dos crimes de violação e abuso sexual, preferindo proteger a possibilidade de um futuro virtuoso para os abusadores, do que em reconhecer às vítimas o direito à consumação da justiça. A mesma que nos desprotege todos os dias, que aponta o dedo às vítimas, cerceia a nossa liberdade e torna o medo absolutamente normal e até louvável, como mecanismo de sobrevivência.
É essa mesma cultura que celebra a inimputabilidade da testosterona, que elogia os garanhões e aqueles que ostentam a sua conduta predatória. A cultura que faz com que ter muitas experiências sexuais seja CV para os homens e cadastro para as mulheres. Incitando ao exibicionismo da conquista e da performance, como quem mostra orgulhosamente os troféus de caça pendurados em exposição.
É esta a cultura destes adolescentes. A Internet não é a causa. Pode ser o amplificador do fenómeno, permitindo ampliar o espetro de atuação e também a plateia, facilitando a quantificação do sucesso e da visibilidade, tornando o “jogo” mais desafiante, mais rentável e, aparentemente, mais “seguro” porque tudo parece mediado por ecrãs e distante das consequências da “vida real”.
As redes sociais não são a causa, mas há muito quem nelas se promova, com a legitimação do discurso misógino e a objetificação das mulheres como isco, para atrair adolescentes e homens ressentidos com a falta de atenção feminina, ou com a conquista da liberdade pelas mulheres. Homens ressabiados, com problemas de autoestima, que preferem culpar as mulheres das suas carências, vilanizando-as, para que a sua desumanização autorize a violência que querem impor.
Junta-se uma cultura misógina, a toxicidade das redes sociais, o ressentimento de homens minúsculos, que se sentem esmagados pelo livre-arbítrio feminino e pelo direito à autodeterminação sexual das mulheres, e parece mais do que óbvio que isto só tem tendência para piorar.
Cabe-nos a todos castigar estes crimes exemplarmente, educar para a empatia e a igualdade: os rapazes, para que percebam que também eles são vítimas do patriarcado e dessa noção deturpada e tóxica da masculinidade e, às raparigas, para que continuem de cabeça erguida, livres do medo e dedicadas a defender os seus direitos!