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A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) publicou os resultados da Avaliação de Unidades de Investigação e Desenvolvimento (UID) e a proposta de financiamento para 2025-29. A comunidade científica aguardava com expectativa, depois de mais de um ano de trabalho na preparação de relatórios e candidaturas, e após meses de avaliação por painéis internacionais. O que deveria ser um momento de reconhecimento tornou-se uma desilusão, especialmente para as unidades classificadas com Muito Bom, que representam uma fatia considerável da investigação de qualidade feita em Portugal (117 das 313 UID avaliadas).
O financiamento-base atribuído para 2025-29 às unidades com Muito Bom, por investigador equivalente, representa apenas 31% do atribuído em 2020-24. Dada a inflação acumulada nesse período (21,3%, segundo o INE), o poder de compra real desce para 25,4%. Uma unidade com Muito Bom disporá de apenas um quarto do poder de compra do que teve em 2020-24.
Este brutal corte orçamental não foi anunciado. Nem pela FCT, nem pela tutela. Surgiu sem qualquer sinal prévio, sem comunicação, sem discussão pública. Sem ter por base qualquer plano estratégico. Sem dar oportunidade às unidades para se prepararem. Isto não é forma de fazer política científica.
As UID com Muito Bom não conseguirão executar os planos aprovados para 2025-2029. Planos aprovados pelos avaliadores contratados pela FCT, e que servirão de base à avaliação futura destas UID. A FCT aprova planos de investigação e, simultaneamente, retira às UID os meios para os cumprirem. A incoerência é total.
Após obrigações contratuais e as despesas de estrutura, o que resta mal permite financiar a apresentação de um artigo numa conferência por investigador... em cinco anos! Não falamos de centros inativos. São estruturas com provas dadas, que publicam, formam doutorados, integram redes internacionais e articulam ciência e território.
Mas há mais. A diferença de financiamento entre UID com diferentes classificações é de uma injustiça sem precedentes. Unidades com Excelente recebem quatro vezes mais que as com Muito Bom. Em 2020-24, a diferença era de apenas 1,25 vezes. O que justifica esta desproporção? Nada foi explicado – imagino que por não ser defensável. Cristalizam-se desigualdades, impede-se progressão por mérito.
A FCT está a bloquear as UID com Muito Bom: não as deixa aspirar a obter o Excelente, e torna até impossível manterem o Muito Bom. Concentra recursos em poucas UID e empurra as restantes para a marginalidade.
À injustiça orçamental junta-se uma distorção ética. Muitas unidades agiram com rigor, só incluindo como investigadores integrados – os que relevam para o cálculo do financiamento-base – pessoas com atividade científica efetiva. Outras, confundindo-se com a sua escola ou um seu departamento, integraram a generalidade dos docentes. O resultado é duplamente perverso: financiamento per capita quatro vezes superior, multiplicado por um número de investigadores empolado. A opacidade é premiada, a integridade é penalizada.
Mais ainda. Este modelo tem consequências regionais sérias. Por exemplo, em Economia e Gestão todas as unidades com Excelente estão em Lisboa! O corte às restantes UID agrava a desigualdade geográfica e põe em risco a coesão territorial. Não se pode reforçar a concentração de recursos públicos no centro e abandonar quem faz ciência relevante noutras regiões.
As consequências são claras: perda de investigadores, quebra na formação avançada, isolamento internacional e desligamento entre ciência e território. O país arrisca-se a um sistema a duas velocidades: um núcleo bem financiado e uma periferia em declínio. Isso não é política científica. É empobrecimento estrutural. O que se exige é simples: revisão urgente e reforço do financiamento às unidades com Muito Bom. Se esta decisão não for corrigida, está em causa a legitimidade do sistema de avaliação, a credibilidade do Estado e a sustentabilidade do ecossistema de investigação.
Não há ciência sem financiamento digno. E não há desenvolvimento sem ciência. O Estado tem o dever de não hostilizar quem trabalha com mérito. Exige-se coerência, justiça e respeito. É o mínimo, para dar legitimidade à avaliação científica e garantir futuro à ciência em Portugal.
Tudo o resto é retórica vazia.
Diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto