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A solidão é em geral estritamente associada a ruturas nas relações interpessoais e ao empobrecimento de partilhas por fragilização das interações individuais e grupais e do potencial de bem-estar e felicidade que daí pode advir. Trata-se de uma vulnerabilização de âmbito comunitário que afeta aí o perfil relacional da própria identidade humana. Acontece, porém, que a persistência, inclusive em abordagens do fenómeno da solidão, de um antropocentrismo redutor, leva ao esquecimento de que a integração em contextos de vida passa por conexões mais vastas e complexas, as quais nos remetem para o ambiente global com o qual, de uma forma ou de outra, interagimos.
Assim, quando falamos de solidão, temos de superar a persistência de reducionismos que empobrecem e até contradizem os nossos propósitos. O mundo, mesmo quando humanizado, não é apenas humano.
Importa enaltecer a obrigação de se assumir em pleno o pressuposto de uma integração ambiental. Apesar de nos nossos dias se desvelar criticamente uma apropriação ideológica das produções científicas e técnicas, alimenta-se ainda um sentimento de superioridade que redunda num alheamento da natureza em que vivemos, tornando-nos até seus inimigos. Reconhece-se aqui a importância das estratégias em prol da sustentabilidade e da proteção do ambiente. Acontece, porém, que é correntemente escamoteada a assunção da plenitude cósmica e intrínseca da nossa identidade, a qual torna incontornável um relacionamento essencial com um mundo que, mais do que nos rodear, nós partilhamos como um dos seus protagonistas.
Na verdade, as montanhas, o mar, os rios, as paisagens, as fragas, as árvores, os animais, etc., constituem-nos, sendo por isso o seu esquecimento e a perda da sua convivialidade, um fator importante de aprofundamento de uma solidão que nos priva de felicidade. Personalidades tão diferentes como São Francisco de Assis e Teixeira de Pascoaes, através das ideias de uma irmandade e de um animismo universais, perceberam-no bem.
Escreveu Pascoaes: “No homem continuam os seres animais e nestes os vegetais” e ainda “amando a árvore, conheço-a, possuindo-a…como fazendo parte de mim mesmo”.
Trata-se, no fundo, de sermos solidários com a riqueza da nossa própria imensidão.