O inconcebível protesto dos bombeiros sapadores em algumas ruas de Lisboa e junto ao Campus XXI pode ser uma árvore no meio da floresta que estamos cansados de ver ardida, um momento de exaustão de uma classe profissional que não aguenta mais o ostracismo a que tem sido votada, um grito de revolta e desespero, sendo que não deixa também de ser uma das mais capazes exibições de como uma corporação pode atirar aos próprios pés, acertando em cheio. Uma manobra de terra queimada jamais vista. Com a agravante de ter a assinatura da instituição mais prezada, considerada e admirada pelos portugueses. Os bombeiros sapadores podem querer apagar os seus fogos assim, cansados de arder em lume brando, mas é quase cruel vê-los a denegrir e destruir tanto capital de afecto em tão pouco tempo.
O ministro Leitão Amaro anunciou que não está em condições de retomar as negociações com os bombeiros profissionais e é evidente que não seria compreensível que o Governo tomasse outra atitude. Apesar de algumas legítimas reivindicações da classe, que não vê condições revistas há 22 anos, a feira de horrores protagonizada com o lançamento de fumos, tochas, petardos e queima de pneus cheirou a “série-Z-napalm” de “Apocalypse now”, levantando sérias dúvidas sobre a instrumentalização do fogo. É legítima a suspensão das negociações até que a Associação Nacional de Bombeiros Profissionais e o Sindicato Nacional dos Bombeiros Profissionais caiam em si, condenando a coação de uma manifestação não comunicada à Câmara Municipal e que derrubou perímetros de segurança.
A manifestação até pode ser um rastilho como os outros, que acaba por estourar na demagogia ou na ânsia de violência que capitalize para outros voos. A ilegalidade e o tratamento contemplativo das autoridades face à radicalização das acções dos manifestantes lembra-nos - pela antítese - os polícias contra polícias, secos e molhados, há 35 anos, onde a ordem pública era um desafio pungente. No caso dos bombeiros sapadores, assistimos à maior demonstração de “friendly fire” corporativo, como nas guerras onde as baixas são contadas por fogo amigo, dentro da própria trincheira e não pelas balas do inimigo. O que explica que uma classe tão comprometida com o bem comum não perceba a dimensão do seu próprio bem, ultrapassa a infantilidade, cheira a soberba, talvez pela noção de se julgarem heróis ou francamente inimputáveis.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia

