Clara Jorge, presidente da Associação Bairro Feliz, é uma das residentes mais ativas do Bairro do Pica-Pau Amarelo, em Almada. Ao lado de outros moradores da zona, está decidida a lutar pelo bem-comum dos moradores.
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Localizado no Monte da Caparica, em Almada, Pica-Pau é mais um dos vários bairros sociais estereotipados como problemáticos. Apesar da vista impressionante para o mar, quem vê o bairro de fora não imagina o que o esconde o seu interior. À primeira vista, com as obras realizadas recentemente, o bairro parece moderno e renovado. Contudo, ao cruzar a fronteira dos prédios aparentemente bem cuidados, a ilusão desfaz-se rapidamente. Ao caminhar contra a visão superficial, em direção ao coração do bairro, a verdadeira realidade dos moradores é encontrada.
Outrora com boa aparência, os prédios mostram sinais claros de desgaste causados pelo tempo. As péssimas condições de higiene transformaram o lugar numa atração para roedores. O ar é pesado com o mau-cheiro que o lixo acumulado nos cantos origina.
A falta de portas é uma realidade em grande parte dos prédios, o que, mais uma vez, proporciona falta de segurança e uma má aparência para o local de residência de muitas pessoas. Este cenário contrasta de uma maneira chocante com o que é observado ao entrar no bairro, revelando uma comunidade habitacional que, por dentro, é um testemunho silencioso de negligência.
O bairro apresenta dificuldades económicas, sociais e estruturais, mas também é povoado pela alma e boa vontade de habitantes lutadores que querem melhorar as condições do Pica-Pau. Com o objetivo de superar os problemas profundos do local, um grupo de moradores sentiu-se motivado a criar a Associação Bairro Feliz. O movimento comunitário emergiu da frustração coletiva que crescia como as ervas daninhas das calçadas. O propósito seria melhorar as condições do bairro e enfrentar os desafios existentes para ser possível um melhor conforto e estabilidade para aqueles que precisam e sempre viveram neste espaço. Clara Jorge, presidente da Associação Bairro Feliz, foi a primeira moradora a preocupar-se com o estado do bairro onde mora até hoje, tendo sido uma figura fundamental para o projeto que acredita trazer o maior tipo de benefícios aos moradores.
Para enfrentar os desafios, a associação iniciou diversos projetos. Reuniões comunitárias foram organizadas para discutir problemas e encontrar soluções coletivas. A associação também está em constante diálogo com a Câmara Municipal de Almada, com a Santa Casa da Misericórdia de Almada e com o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), à procura das respostas necessárias para ultrapassar as dificuldades que o bairro enfrenta. "Estamos a
trabalhar para melhorar o ambiente do bairro e criar um senso de comunidade," explica Clara Jorge.
Os problemas de habitação são um dos principais geradores de insatisfação dos moradores. "É muito difícil ver tantas casas vazias, enquanto precisamos de um lugar para morar. Não conseguimos sair da casa dos nossos pais”, desabafa uma das moradoras do bairro, que prefere guardar o anonimato, refletindo o sentimento de muitos que aguardam há anos por uma habitação condigna. A questão das casas fechadas é um dos principais motivos de descontentamento. Muitos moradores estão há anos em listas de espera para conseguir um lar que possam chamar de seu, mas o processo é tão demorado e complexo que, muitas vezes, parece uma missão impossível.
Filipe Encarnação Anjos é um morador muito conhecido no bairro. Dedicava-se a dar aulas de ginástica aos mais pequenos e frequentava os cafés da zona com regularidade. Depois de tantos anos a viver no bairro, diz só ver “as coisas a piorar”. A invasão de casas fechadas é recorrente e é algo que revolta os moradores. “Aconteceu isso no meu prédio. Ainda o senhor não tinha sido enterrado, já estavam a arrombar a porta para se meterem lá dentro. Quando os filhos chegaram para ir buscar os pertences do falecido, deram de caras com invasores”, relata. Estes acontecimentos não são totalmente desconhecidos por parte da autarquia, porque muitas dessas pessoas acabam por ser desocupadas à força. “Depois, obviamente, que há despejos e as pessoas mesmo tendo cometido uma ilegalidade, ainda reclamam.”
Apesar das dificuldades, muitos moradores garantem que o bairro, embora social, é mais tranquilo do que os preconceitos que o envolve. “Posso dizer que é um bairro sossegado, apesar dos estereótipos de que é alvo. Claro que tem os seus problemas de rixas, mas toda a gente se dá com toda a gente, toda a gente conhece toda a gente," comenta Sandra Silveira, uma residente de longa data.
Outros moradores partilham a mesma visão, reconhecendo que, embora existam desafios, o bairro ainda possui uma forte sensação de comunidade. "Fomos criados aqui e não temos razões de queixa. Mas isto já não é o mesmo bairro de quando viemos para cá. Agora, há muita gente nova", observa Maria Matos, uma moradora que vive no bairro há mais de 40 anos.
"Não sentimos dificuldades económicas diferentes das de outros lugares. As rendas são conforme os rendimentos que as pessoas têm," explica outra moradora, destacando que os desafios são mais relacionados às condições de vida e às infraestruturas do bairro. Um dos problemas mais visíveis é a falta de manutenção dos prédios. "A maior parte dos prédios não tem portas, fazem dos prédios urinóis", denuncia Maria Matos. A falta de segurança e a deterioração das infraestruturas são questões que os moradores esperam ver resolvidas com a ajuda da associação e das autoridades locais.
Bairro feliz
A história do Bairro Pica-Pau Amarelo é de luta e perseverança. Fundado há várias décadas, o bairro sempre foi um reflexo da diversidade social e cultural. No entanto, ao longo dos anos, enfrentou inúmeros desafios, como a falta de infraestrutura adequadas e as questões de segurança. Apesar da mancha negra com que pintam o bairro, há quem diga que não é assim tão problemático quanto outros da zona. “Vocês façam o que quiserem de mim, eu a partir das seis da tarde não vou à Quinta da Princesa”, comenta Filipe Anjos, morador no bairro.
Para muitos, a criação da Associação Bairro Feliz representa uma nova esperança. A organização surgiu como resposta às necessidades urgentes dos moradores, que se viam cada vez mais isolados e sem apoio. "Não é apenas sobre mudar o bairro, é sobre mudar vidas," enfatiza Clara Jorge.
A iniciativa surge em resposta a uma série de problemas enfrentados pela comunidade, incluindo a deterioração da infraestrutura, questões de segurança e, em particular, a existência de inúmeras casas fechadas, das quais os moradores não podem usufruir.
Desde a sua fundação, a Associação Bairro Feliz tem sido um catalisador de mudanças positivas. Uma das primeiras iniciativas foi a organização de reuniões comunitárias, em que os moradores possam expressar as suas preocupações e ideias. Essas reuniões não apenas proporcionaram um espaço de diálogo, mas também ajudaram a fortalecer os laços comunitários. "Temos de encontrar soluções práticas e urgentes para o problema das habitações. É inaceitável ver tantas casas vazias enquanto tantas famílias vivem em condições precárias," reforça Clara Jorge.
Por outro lado, com as crises que se têm feito sentir e a falta de condições e infraestruturas, os moradores, mesmo sabendo da existência da associação Bairro Feliz, não sentem que têm ajudas por parte de entidades superiores. As pessoas acabam por se sentir sós nesta que é a batalha de melhores condições de vida e segurança e alguns refugiam-se nos próprios moradores. “Apesar de todas as promessas, o bairro está na mesma”, afirma uma das moradoras do bairro.
*O interesse pela escrita levou Lara Mota a escolher uma área em que pudesse transformar as palavras em matéria-prima. Hoje, é aluna do 2ºano da licenciatura em Jornalismo, na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), do Instituto Politécnico de Lisboa (IPL). Durante o curso, tem explorado diferentes formas de narrativa jornalística, desde a análise do discurso até à reportagem. No seu percurso académico, destacam-se trabalhos de investigação que têm tentado perceber o impacto do jornalismo na sociedade e a forma como este interpreta a realidade.
Marta Almeida é estudante do 2ºano da licenciatura em Jornalismo, na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), onde integra vários projetos que lhe permitem aprimorar conhecimentos e desenvolver competências na área. Apaixonada pela comunicação, tem tentado explorar diferentes vertentes do jornalismo, com o objetivo de crescer enquanto profissional e aprofundar a sua visão sobre o papel da comunicação na sociedade.